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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

DELÍRIOS

Seria assim feito
um crime perfeito:
minha mão no teu seio,
meu ar quente e bandido
nas costas do teu infinito,

num silêncio arfado,
cristalina nudez conivente
que afastaria os pecados
e se encerraria feito um amém
quando eu te cravasse os dentes;

sorveria as ondas do teu pescoço,
lado esquerdo, lado direito, lados unidos
por uma só barulhenta lambida
que desceria agora pelas vértebras,
uma a uma, nervo a nervo, osso a osso,

curva a curva, medula a medula, dorso a dorso
e se estenderia até ao cóxix pontiagudo
quando deitaria-te dez dedos nesse mar macio
e curvaria-te submissa à beirada da cama:
poria-te loba, toda, toda cachorra.

Abriria incisivo tuas bundas rarefeitas
e avistaria paraísos intumescidos;
largaria-te a mão, esfregaria teus buracos
molhados: ouviria teus solos desafinados,
tuas onomatopéias incompreensíveis,

tuas palavras dispersas, sussurrantes,
tua língua de fora e passeadeira pelo buço.
Veria tuas mãos amassando os lençóis,
teus cabelos em plena revolução fremente
e o mundo todo pintado da tua cor de perfeição.

Acordei de supetão.

GUARDIÃO

Clamo ao fantasma que me habita

um só momento solto destas algemas

que enclausuram de forma definitiva

a vontade passageira de admitir o poema,


de passear serelepe na orla de um mar

qual fosse a exatidão perene das baías,

de poder chamar o pôr-do-sol de poesia,

livre dele e da censura do seu crivo tutelar,


vigilante e atento, que, até durante o meu sono,

crava nos íntimos sonhos a sua pena de ferro

a borrar qualquer tentativa do poema aberto,

negando-lhe a matéria do alto do seu trono


silencioso que orbita por entre céus efêmeros,

pois o horizonte que busco é utópico e inexistente;

ouço apenas um recado deste obsessor que me atormenta:

― O poeta não tem saída: só lhe resta a derrota do poema.


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

SOBRE A SAUDADE


Sábia e econômica, a saudade
habita a estrada da verdade,
daquilo que é verdade, que arde,
explícito algo sem rédeas, ondas em disparate;

vem como visita sem convite, sem alarde,
passageira de uma insólita viagem
mesclada entre o receio e a necessidade
de amor, de sexo, de tato ou de amizade.

Ninguém a observa quando verseja,
nem vulto, nem estampido, nem estandarte:
ocorre na trêmula margem da maré cheia
num hiato permissivo da vida e o do que fora arte

— quadro daquele instante,
poema do envelhecido guardanapo,
escultura do inesquecível,
sinfonia da tranqüilidade,
gravura do simultâneo,

clique da claridade,
dança do gozo,
ato da sintonia,
cenário da harmonia,
instalação do prazer,
ópera da amplidão
num roteiro das rosáceas.

Pode ser Buda, pode ser Oxalá
ou um pêndulo dúbio da alegria
e também o do lado da agonia,
das chamas do inferno,
do anticristo na sacristia.

Conforta o hoje,
mas no agora
é a que desespera
— rainha dos escombros —
é do caminho, a camuflada pedra;

é a dois-em-um,
a dicotomia,
o passo em falso,
a surpresa que ressuscita
e o zumbi que medra.

É a fada, a bruxa dos feitiços,
a quintessência dos extremos:
abraça e nocauteia,
ferve e congela,
paralisa e samba;

faz e não acontece,
purifica e envenena,
anula e impulsiona
deixa e apreende,
muda mas estaciona;

Lê e não decifra,
recomeça e termina,
beija mas não emana,
decide mas não vota,
enfurece mas não espanta;

morde e amortiza,
condensa e sublima,
cresce mas não levanta.
Eterniza mas sacrifica,
ama mas não encanta.

Marlos Degani

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Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Participa do grupo de poesia Desmaio Públiko em Nova Iguaçu. É jornalista, escreve crônicas periódicas no sítio do Baixada Fácil www.baixadafacil.com.br e lançou de seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2007 e um CD de poemas chamado MARLOS DEGANI - ATÉ AGORA em 2009, com a sua poesia completa (édita e inédita). Lançou em set/14 seu segundo volume de poemas chamado INTERNADO no formato e-book, já disponível nas melhores virtuais. Contato: marlosdegani@gmail.com