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segunda-feira, 2 de março de 2015

CURTIDO



O forno do meu verso quer assar
o trigo podre das mesmas palavras
sempre quase poucas – são desse mundo
onde muitos temem o absoluto
dos tudos que se resolvem à fórceps,
por meio de uma brutal cesárea
que faz natimorto o outro lado
do verbo, um infinitivo só.
Dentro da minha quase poesia,
o silêncio pode ser soberano,
pois mesmo mudo, o timbre do signo
pulsa na engenharia do pranto.
Esfrio o meu forno com um trago...
Aprendi: bebo fel e não engasgo.


SIDERALIDADES V



      (Ocaso com Aldir)

Quando a tarde baixa, e em frestas
cansa de ser tarde, numa luz tênue
mais pouco clara que possa haver,
fecha a última frincha que resta
e, feito tal do jeito de aurora,
vai de marrons sôfregos, quase ocres,
de rosas açafrão, rútilo, sépia,
de terracota e púrpura média.
Gosto de tudo quando amanhece,
pois tudo parece que anoitece.
Gosto de tudo quando anoitece,
pois tudo parece que amanhece,
já disse o poeta que encerra
seu canto. E abre a aquarela.


SIDERALIDADES IV


           
           (Aurora)

Quando a noite alta, no seu auge,
cansa de ser noite, no vasto breu
mais escuro de que possa haver,
uma frincha desabrocha suave
lá no recôndito do firmamento
e uma centelha do infinito
nasce, e de sete cores presentes,
firma a aurora e uma brisa
do próximo instante invadido
de pitadas de púrpuras tremidos,
bem mais junto de um branco navajo,
permeado de escarlate raro.
O sol abre a birosca do dia...
Há luz colorida de poesia.


SIDERALIDADES III


    
       (Na noite desaluada)

Quem pensa que a noite é só preta,
entre todos os nanquins espalhados,
norte, sul, neste sertão estrelado
de azuis severos que se estreitam
ao petróleo grave do horizonte
sobre os cinzas ardósias dos ontens
− os que ainda não amanheceram
no agora que não é mais rebento?
A noite – esta mais alta – ecoa
uma luz que avoa às avessas
na paleta oposta do inferno:
breus claros, breus médios e breus bordôs...
Minha noite tem carmim, carmesim
e um poema em branco. Sem fim.


SIDERALIDADES II



(Manhã sem o Poeta)

O poeta deixou uma neblina
de cerração chumbo e de abismo
− um clarão bege claro e vestido
de azul cobalto breve e nimbos

que tecem seus bordos − quase tecidos.
Este céu é um doce pergaminho
onde o poeta, amarelinho,
tinge sua ode ao infinito.

O sol atira na fronte da nuvem...
Vem cinza, vem oliva e vem lúmen
da crosta matutina que começa
feito se fosse um mudo alerta:

tudo passa um dia passará.
E o poeta foi. Para ficar.



SIDERALIDADES

               
           (Matinê)

Vem do céu de novo o meu espanto,
não somente pelo seu furta-cor
desse sol contra as nuvens em branco
− agora rochas de tons de marrons
de toda a sorte, claros ou âmbares,
ocres ou quase amarelos fortes.
Tem nome tamanha exuberância
desde o meu sul até o meu norte?
Desce pela tarde um raro cinza
suave que derrama seu clamor
para que este amor, quase morno,
vire verso. E mire poesia.
E quantas cores sem nome eu vejo
no céu do poema que eu desejo.


Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Participa do grupo de poesia Desmaio Públiko em Nova Iguaçu. É jornalista, escreve crônicas periódicas no sítio do Baixada Fácil www.baixadafacil.com.br e lançou de seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2007 e um CD de poemas chamado MARLOS DEGANI - ATÉ AGORA em 2009, com a sua poesia completa (édita e inédita). Lançou em set/14 seu segundo volume de poemas chamado INTERNADO no formato e-book, já disponível nas melhores virtuais. Contato: marlosdegani@gmail.com