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sexta-feira, 14 de março de 2008

DESVIOS


E se meu Deus eu ao menos pudesse
abrir uma fresta entre as faces lisas
e densas da tua alma afiada, feito messe
proibida, que fere em vez de ser ferida,

como se já não houvesse flor a ser resgatada
ou que de teus mistérios ninguém soubesse?
Por que insistir em manter as cortinas cerradas?
Qual será o sonho que conjuras em tuas preces?

E se meu Deus eu ao menos pudesse
receber um único voto teu que contivesse
o mapa desta terra que seria a minha flecha,
no ávido desejo de encontrar a tua brecha,

e por meio dela retirar-me, enfim, do ocaso
de todo o meu decadente espólio colecionado
pelos becos, vielas e semitons da madrugada,
dentro das suas fendas movediças e disfarçadas.

E se meu Deus eu ao menos pudesse
ser ubíquo e flutuar por onde estivestes,
deitar de mansinho em teu colo silvestre
e, repleto, sublimar isto que não amanhece,

que insiste em mim para contrariar a razão
exata da fórmula e do geométrico teorema genial:
fundir o que é dois numa única matéria cabal
misturada pelo magma bombeado do coração.

O amor é a liga ligeira do níquel barato e vagabundo.
Sem ele não há a aliança que tolera todos os versos do mundo.
ALGO EM MIM


Será o poema, enfim,
o que vagueia nômade,
sem sombra e sem nome
por dentro e fora de mim,

bem camuflado entre a matéria
— viajante silencioso, esmo,
ligeiro e que até para mim mesmo
esconde a sua identidade secreta?

Será ele o agente que desbrava
minhas vísceras, meu alfabeto
e por meio desta forma alinhava
o meu ser e sina por completo,

tecendo uma longa colcha de retalhos
com meus versos fatalmente fracassados,
para que depois eu morra asfixiado
nesta mortalha sem nunca tê-lo achado?

Será ele, sutil, o que insiste em travar
longas batalhas às bordas da madrugada
entre o papel branco e a provável palavra
que nunca estará, de fato, bem colocada,

pois decerto haverá uma outra agendada
nestas hostes que são sibilinas e fantasmas,
donas de um tempo, das horas enfeitiçadas
quando se cai do cavalo e ele na gargalhada?

Será ele que lacera, que blasfema... O poema
é que leciona em minh’alma e, eterno, me algema?

Marlos Degani

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Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Participa do grupo de poesia Desmaio Públiko em Nova Iguaçu. É jornalista, escreve crônicas periódicas no sítio do Baixada Fácil www.baixadafacil.com.br e lançou de seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2007 e um CD de poemas chamado MARLOS DEGANI - ATÉ AGORA em 2009, com a sua poesia completa (édita e inédita). Lançou em set/14 seu segundo volume de poemas chamado INTERNADO no formato e-book, já disponível nas melhores virtuais. Contato: marlosdegani@gmail.com