Páginas

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

BLUE LABEL


Há muito tempo que pelas meus pelos
e viro, ao ver-te, homem-ouriço
nesta armadura de calafrios
que surge quando sinto o teu cheiro

feito cão que ladra ao meio-dia
e fareja todos teus feromônios
e que tem a chave da escotilha
onde aprisionas teus demônios.

Não vejo as rugas da tua pele,
pois os aromas, quando envelhecem,
têm autoridade sobre os ventos
que a ti transportam ventas à dentro.

Entre os teus delicados perfumes
o amor é leve, mas tem volume. 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

BRAVO



Parece que o amor insiste
Em ser somente teu e teu
E solto
Não me larga
Mesmo com a bateria fraca
Desses dias de diferentes mapas
Entre a minha e a tua estrada
Deve saber que a chama
Que nasceu além da cama
Resiste à tempestade
E sua luz ainda nos invade.
Parece que o amor insiste
Pois quando faltas, tudo é triste.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

ESPELHO?


                 
                  I

Podes até achar vil e soberbo
fazer do meu humílimo soneto
um estandarte, resumo e ápice
de toda esta contrariedade

que a tua estúpida e bífida
língua, que de tão azeda, amarga
à repulsa, além da ojeriza,
a maresia das tuas palavras

− cardume flutuante de falácias
modorrentas que apenas exalam
este olor de ontens repetidos,
este samba mudo, sem surdo, pífio.

Resta a tristeza, o desperdício:
não saber-te teu maior inimigo.

                 II

Foi-se o que havia na garrafa,
mas não me sinto anestesiado
pois este parto que é o poema
jorra sangue e dentro da placenta

nada há; é natimorto o feto
− desorganismo amorfo de versos –
que irrompe quando a alvorada
lança sobre o breu da madrugada

um feixe da fresta que é aberta
− aí é que se fode o poeta
que detesta luz em sua caverna –
e faz cinzas da inútil matéria...

É sobre fracassos o meu trabalho.
E o teu? Caçar o próprio rabo?


sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

INFINITOS


 O que o mar sim ensina ao canavial:
  o avançar em linha rasteira da onda;
  o espraiar-se minucioso, de líquido,
  alagando cova a cova onde se alonga.
  O que o canavial sim ensina ao mar:
  a elocução horizontal de seu verso;
  a geórgica de cordel, ininterrupta,
   narrada em voz e silêncio paralelos.

(João Cabral de Melo Neto em “O mar e o canavial”)

  
Agora o meu verso sabe
de que os fins não são estáticos
e o poema e a vida
acabam, mas nunca terminam.

Da vida o poema tira
a teimosia das auroras
que vão feito marés; e voltam
e permitem o novo dia.

Do poema a vida tira
a teimosia dos rascunhos
que já rebentam moribundos
− escravos que são do futuro.

Da vida o poema nega
a sombra disforme do corpo
pois toda a sua matéria
não roça na pena do homem.

Do poema a vida nega
a solidão da madrugada     
de um papel que não revela
o xis de sua matemática.

O poema é uma vida
e a vida é um poema?
Se a vida for um poema...
O poema, vida, nem liga.

  

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

INCÊNDIO


 Teu, o amor que me inaugurou
 naquele olhar amplo, de mil línguas,
 mas, da palavra, ninguém precisou
 e, se precisasse, não haveria

 em qualquer gemido, nos dialetos,
 nos urros, grafias ou palimpsestos;
 qual é o nome? Quem batizaria
 uma paradoxal euforia

 que me faz crer e ser somente minha
 toda esta tua engenharia
 − teu pântano doce, almiscarado,
 teu Morro Dois Irmãos e o teu hálito?

 Teu amor: o raio que acendeu
 o sol da meia-noite do meu breu.


Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Participa do grupo de poesia Desmaio Públiko em Nova Iguaçu. É jornalista, escreve crônicas periódicas no sítio do Baixada Fácil www.baixadafacil.com.br e lançou de seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2007 e um CD de poemas chamado MARLOS DEGANI - ATÉ AGORA em 2009, com a sua poesia completa (édita e inédita). Lançou em set/14 seu segundo volume de poemas chamado INTERNADO no formato e-book, já disponível nas melhores virtuais. Contato: marlosdegani@gmail.com