Páginas

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

SEREIA

Ainda com cascas entre os seus duros lábios,
a morte, num raio, fecha tudo o que se abriu;
ama a vida na dor que sabe a lição do diário:
a chama chama, mas não pode beijar o pavio.

A PARTIR DO A PARTIR

De fato disposta a morte é uma viciada,
não lhe importa saber se tudo ou se nada,
mas há tanta vida no meio, no pomar lotado,
que ela morde a maçã: viver é o seu pecado.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

CRISTALINA

A morte é um velocíssimo tropeço,
não tem fim ou meio, mas começo;
não há destino de onda em sua vela:
a morte é o vidro chovido da janela.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

TOLICES

Tem gente que acha a loucura um preciosismo.
Tem gente que defende que só há a sua sensatez.
Tem gente que mescla a poesia com o umbigo.
Tem gente que pensa que o poema era uma vez.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ALFAIAS

Ai do poeta que tem verdade
que acredita na força da pena
que pode outorgar a sentença
do verso ou da sua intimidade.

Ai do poeta, do seu trêmulo estandarte
que se desfaz na brisa rubra da tarde.

SÓ E SEM

Houve aquele tempo estranho
quando a noite só trazia pranto,

grito, cheiro de flor, soluços, espanto,
insônia, nicotina, pílula, desencanto.

E insisto vivo no visgo deste tempo de fuga
onde o meu choro ainda só chora na chuva.

sábado, 16 de janeiro de 2010

AUSÊNCIA FATAL

Minha saudade não é aquela presa ao retrovisor
que somente faz nó com o gozo do que já passou.

Mas é a tua afiada ausência que faz sangue neste agora
feito uma silenciosa guilhotina que se irrompe e me degola.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

DESAFIO X

Encerro no dez esta série cínica
que serviu apenas para o nada
pois o poema não é a palavra
lançada e não mora na ferida

do poeta imerso em seu umbigo
que se define o patrão do infinito
e faz do verso um conto de fadas
a serviço da sua próxima lágrima.

E nunca aposte nenhum centil na esperança:
o poema declina. Não tem par em sua dança.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

DESAFIO IX

A pior armadilha que se possa armar
é a que oferece, nos bordos do umbigo,
este quase irresistível e fatal batismo
de poeta: versador pronto para versar.

Somente o malandro é quem afasta
o embate direto da chama e do pavio
pois nenhum deles vence o desafio
que apenas existe porque não acaba.

Sigo fissurado e perdido no breu sem mapa
desta conectada cilada azulada de plasma.

domingo, 10 de janeiro de 2010

DESAFIO VIII

Minha teimosia insiste na farsa
de inutilmente lançar falácias
instantâneas (tecladas na tela)
nesta vil ilusão que reverbera

o eco oco, o decibel do nada,
um timbre oculto, às avessas,
que reabastece a pena cega,
esma, rombuda e sem estrada.

Espera um dia; a brincadeira acaba:
nos sete palmos úmidos da palavra.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

DESAFIO VII

Outra vez aqui fingindo-me solto
(num parto exposto de palavras
diretamente digitadas neste plasma)
a amamentar o embrião natimorto

que nenhum deus poderá salvar
pois não há substância no colostro
do improviso, da maquiagem barata
que atenua a palidez do seu rosto.

O poeta continua a brincar de poeta;
mas não esconde a dor que o atravessa.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

NA DOR

Há na dor somente um sortilégio
— que não passa pela ubiqüidade;
cada dor sabe de que jeito arde
e do nome que há no batistério:

culpa, orgulho, adultério,
desamor, ciúme, falsidade,
inveja, soberba, critério,
epílogo, mentira, verdade,

ignonímia, ódio, saudade,
abandono, invisibilidade,
discriminação, arrogância,
injúria, mordaça, ignorância.

Há na dor uma altiva certeza:
ninguém escapa da sua presa.

DESAFIO VI

A palavra é química maldita
que te invade pelas narinas,
faz do não, sua breve piada
e parte sem ser anunciada.

O poema é a antítese fugidia
que contém o tudo e o nada,
ingredientes desta armadilha
- a de não saber o que se caça.

Pode haver a palavra camuflada nos estilhaços;
mas não há o poema: nem nos pequenos frascos.

Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Participa do grupo de poesia Desmaio Públiko em Nova Iguaçu. É jornalista, escreve crônicas periódicas no sítio do Baixada Fácil www.baixadafacil.com.br e lançou de seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2007 e um CD de poemas chamado MARLOS DEGANI - ATÉ AGORA em 2009, com a sua poesia completa (édita e inédita). Lançou em set/14 seu segundo volume de poemas chamado INTERNADO no formato e-book, já disponível nas melhores virtuais. Contato: marlosdegani@gmail.com