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quarta-feira, 26 de março de 2014

UNS



A Castelano, pedra noventa.

 

Agora sim você deve saber:

é só meu o castelo de areia

que foge das margens e das espumas,

esta frágil e torta estrutura

 

camuflada em versos descartáveis.

O seu olhar me desvendou ligeiro

e trouxe o ouro: a amizade

que acordamos entre copos cheios

 

da imediata cumplicidade,

feito magia cinematográfica,

de duas almas que se encontraram

na bissetriz duma encruzilhada.

 

Não há nada maior: o meu orgulho

de sermos um (em dois) contra o mundo.
 
 
 

quarta-feira, 19 de março de 2014

ADEUS SEMPRE


      Sobre Adeus Para Sempre, poema-pérola de Sylvio Neto.
 
Adeus: sou sempre
até o istmo do caos
e jamais viro a cabeça
(mas olho o que há atrás).
Adeus, adeus:
sou sempre cais...


Um nocaute na víscera
sombria do nunca mais.



terça-feira, 11 de março de 2014

ÁGUA


     A Sandra, minha, ouvindo Sandra do Gilberto Gil. Inspirado em Lírio Aos Anjos de Nenê Altro.

É sim mesmo assim este amor

− todo teu – que eu carrego em mim:

puro, vero e, claro, versador...

O poeta não passa de um mímico

que tenta manipular o latim

tal – tolo – qual um – falso – Deus da vida.

Amor do tipo que atira lírios

aos anjos que colhem no teu jardim

o orvalho fresco deste orgasmo

que eclode forte dos mil buracos

da tua derme – mil leitos de rios

salgados lambidos por minha língua

a que sem o mel da tua saliva

e mais a alma secam: à cortiça.
 

domingo, 9 de março de 2014

SEM PALAVRA




Tem vez que eu abro um documento

− na tela de mil entretenimentos

a fim de teclar algum verso bêbado

que tenha caído no pensamento –

mas não digito nada: minimizo

o arquivo em branco, sem batismo

e sem alcunha que o justifique

− já evaporou o que não existe.

E, pois, mesmo mudo ali na barra

atrai o meu olhar e tripudia

sobre a minha falsa harmonia

que se foi veloz farejar o rastro

etílico daquele decassílabo

no meio do alambique dos fatos.


sábado, 8 de março de 2014

MISTÉRIO DO PLANETA



Pode ter vez que, dentro da gaiola

do poema, o poeta consegue

pelo menos esquivar-se dos golpes

diretos e indiretos do verso

por um tempo maior e que permite

− ao poema e também ao poeta –

a interseção do que não existe

e que basta para zerar a reza.

Tem vez que o poema dá a falsa

impressão de que aponta um norte...

Não: a pena é que está mais forte

ainda que não sirva para nada

(mesmo nesta hora que só nos resta

é [trazer] o fantasma da caverna).
 
 

quarta-feira, 5 de março de 2014

LASTRO

                                         A Sandra, ouro.

 Quando me ajoelhei aos teus pés

não o fiz somente pelo perdão

− o que de boca seca, coração

acelerado, feito uma prece,

e todo em frangalhos te pedi − ,

mas também para que, enfim, pudesses

notar o tanto que sou pequenino

de frente desta tua luz silvestre.

Sim... Foi grande o pavor que senti

quando vi o tamanho do estrago

que fiz: os teus olhos se apagaram!

E sem saber de nada te servi

de um único e último grito:

− Te amo. Até Deus fica bolado.
 
 

terça-feira, 4 de março de 2014

SENTENÇA

                

                                       Eu sou apenas um poeta

                                                              a quem Deus deu voz e verso.

 
                                                               Ivan Junqueira, em Prólogo.

 

 

                 Eu sou apenas um poeta

  que nem a morte quer por perto,

  porque tudo o que me resta

  é o vazio dos meus versos.

  Não conquistei prata ou paz

  na vida quando a palavra,

  em mim, se tornou majestade

  das auroras e dos ocasos,

  dos dias e das madrugadas

  que passo nesta fracassada

  maratona, a que insiste

  no fim do que é infinito,

  na posse do que não existe

  e no eco, um todo oco

  (o baú do ouro de tolo),

  rouco do poço do umbigo.

  É deveras sofisticada

   a armadilha do poema

   (e a sua inexistência     

   cabal, mas também diplomática):

   mesmo que ninguém tenha visto

   o seu rastro, ele precisa,

   pelo escriba, ser buscado,

   porém, e jamais, capturado 

   no colostro do guardanapo

   ou no exato exaspero

   geométrico das rosáceas,

   pois a miragem do presente

   é a dose entorpecente

   dentro da veia egoísta

   do poeta, que num só pico,

   dos fins, se torna dependente.

   E teimo nesta empreitada

   condenada, nestas maquetes

   que ruirão na alvorada,

   para tentar mover as peças

   − e do meu mestre vem a única

   voz que, se caso existisse

   (uma, nem rasa nem profunda),

    o poema me cantaria

    antes numa quase secura

    ríspida que cria atritos

    entre diversas estruturas...

    Aí é que tocam os sinos:

    a poesia é fugaz

    é feito se fosse um éter

    e sou um poeta de nada

    a quem Deus deu voz e verso.

  

Marlos Degani

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Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Participa do grupo de poesia Desmaio Públiko em Nova Iguaçu. É jornalista, escreve crônicas periódicas no sítio do Baixada Fácil www.baixadafacil.com.br e lançou de seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2007 e um CD de poemas chamado MARLOS DEGANI - ATÉ AGORA em 2009, com a sua poesia completa (édita e inédita). Lançou em set/14 seu segundo volume de poemas chamado INTERNADO no formato e-book, já disponível nas melhores virtuais. Contato: marlosdegani@gmail.com