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terça-feira, 26 de novembro de 2013

VÁCUO


 
Usas a fábula

como apoio

deste ataque

vil e absorto

 

(feito se fosses

rei do açoite)

que desferiste,

dedo em riste,

 

bem no poeta

já que pareces

que tens na pele

a chave mestra

 

dos cadeados

de sua alma

e da sentença

que o condena

 

− rito sumário −

ao breu do beco

onde os falsos

se movimentam.

 

Não há surpresa

todas as cartas

estão na mesa

sob um opaco

 

conto de fadas

onde poemas

− meras ciladas −

fingem presença

 

já que fingida

é tua vida

que acha isso

mas é aquilo

 

− morto é vivo

vivo é morto.

O teu arroto

é teu abismo.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

FOI ASSIM


Também fiquei à deriva

do mel da tua saliva

e foi forte a vertigem

feito se todos os timbres

 
soassem o som do sim

pelas frestas dos ouvidos,

por entre as avenidas...

Te abri com minha língua.


Foi desamparo de alma:

aquela calma tremida.

domingo, 29 de setembro de 2013

POLOS




Teu perfume reina pelos espaços
do carro ao teu dossel do meu quarto,
dos confins da alma e do meu corpo
que traz teu sangue e sua teu gozo.

E quando eu vir de novo a tarde,
pobre tarde, não será mais a bela
cor que brilha na minha aquarela
de mel, de âmbar e de Gabriela.

Foste embora, mas o meu lençol
sobrepôs as linhas do teu contorno
− são silhuetas ou raios de sol
que em mil vezes me deixaram morto?

Por que a tua imagem teimosa
me cega, me urge e me sufoca?

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

AINDA QUERO


Sobre “Não Quero Mais”, poema de Ted Marimba.


não quero mais
muitas coisas
pois só o poema

não sei, é gasolina
de tanto verso
que dizem
que eu cato

no dicionário. Pensei
em minhas importâncias
nas desimportâncias
no sonho do infinito

decidi deixar
a velocidade das línguas
entrar de vez no ritmo das nuvens


posso ver zil telas
encaixadas no dia
e
encontro a calma
no olho da ventania.

TEMPOS


Virá um tempo
do fim dos fins
feito este vento
a ventar em mim.

Virá um tempo
do entendimento
natural e nascido
na força do infinito.

Virá um tempo
do discernimento
de amor costurado
na tesoura do pecado.

Virá um tempo
do doar intenso

de amor, de asas e deste exercício
de se pular no seu próprio precipício.

sábado, 24 de agosto de 2013

VIAGENS




E bem maior do que muitas vontades
é o desejo, um que te aquece
inteiro; dos miolos às espadas
de pelos que brotam da tua pele.
E um latifúndio de arrepios
imediatamente se instala
feito se fosse o último pico
no calo da veia do viciado
− eu, o tremor; você, a heroína.
E só uma dose sua não basta
pois uivos e longos são os gemidos
e azul cobalto a madrugada.
E só da sua boca é que fumo
o tabaco do amor mais profundo.

       

sábado, 17 de agosto de 2013

TRÁFEGOS



A tarde jamais se basta...
É tal como o poema:
nunca é; sempre está
no centro da ampulheta.

Quem poderia, poeta,
saber de todas as cores
que vêm desta aquarela
mameluca quase roxa?

O vapor deste cenário
conecta os horizontes
do pincel e da palavra:
duas pistas, uma ponte.

E a imensidão rasga
a folha do alfarrábio.
Nem o céu, nem o poema
pertencem ao teu esquema.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

SOBRE A TARDE VELOZ



Agora o céu se faz todo ocre

naquele instante em que a tarde

entoa o ponto (o que invoca)

de outro Rei que será majestade


do reino do breu que se aproxima

veloz, entretanto, suavemente

e que trafega entre um matiz

laranja travestido de magenta,


coisa de carmim ou de rosas múltiplos,

quase inertes nas rochas das nuvens.

E de repente tudo se resume

numa fenda escarlate e única.


E o dia sucumbe ao ocaso

da fresta: a noite fecha a casa.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

NATIMORTO



Não há condições. Hoje pulsa algo mais urgente
Do que a sandice de qualquer métrica. Não hoje.
Não agora que a volúpia fremente da sua presença
Reverbera decidida por entre os vazios do meu corpo

E adere ao plasma da minha alma: não é somente a carne
Que deseja a sua majestade e tudo em mim exige você,
Pedaço por pedaço, segredo por segredo, anseio por anseio...
E quem mais poderia trazer do meu coração descompassado

Os ecos da única palavra que, enfim, sobrou no dicionário?
Meu verso se derrete e escorre nos contornos do seu desenho
Tão nítido e solto à minha volta feito um sonho acordado
Entre os intervalos do dia, cada vez mais raros e sedentos.

O que pode ser mais asfixiante? O seu feromônio que vem
Num vento quente e veloz, mesmo distante? Ou que esta urgência,
Quando o sol entra em cena, vira fuligem que sobe e se espalha
Pelo espaço faminto na boca do buraco negro da realidade?

Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Marlos Degani, Nova Iguaçu/RJ, é jornalista. Lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2006 e que conta com a apresentação do poeta Ivan Junqueira, imortal da Academia Brasileira de Letras, falecido em 2014. Em setembro/14 lançou o segundo volume de poemas chamado INTERNADO, também pelo formato e-book, disponível nas melhores livrarias virtuais do planeta. Em 2021, pela Editora Patuá, lançou o seu terceiro volume, chamado UNIPLURAL. Participa como poeta convidado da edição número 104 da Revista Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras, lançada em janeiro/21, ao lado de grandes nomes da literatura brasileira.