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sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

INCOMPLETOS...



Há quem possa imaginar

um inusitado encontro

quando, da noite, a calada

ruge seu mais silencioso

 

e ensurdecedor estrondo:

os cochichos asfixiados

− os dum corpo em outro corpo −

de mil mortes ressuscitadas.

 

Há quem possa arquitetar

o poema e reunir

− entre versos de uma fábula −

o que não quer ser reunido,

 

o que não pode ser completo:

a carne e o alfabeto.


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

SOBRE DESASSOSSEGADOS




Nunca pude dizer não

aos planos de supetão

que resolvem toda vida

nesta branda euforia

 

− uma calma, mas nervosa –

da alma que mesmo lívida

faz um carnaval das horas:

meu samba no teu desfile.

 

O meu tempo é escravo

dos vãos do teu calendário.
 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

NEBLINA




 Não faço poemas

munido da crença

de me libertar

de alguma chaga...

Não daria certo

pois quando escrevo

a isca do verso

desce o poema

com os meus fantasmas

e juntos à mesa

bebem num só trago

a minha represa.

Depois vão embora.

E toda vertigem

voa na fuligem

do breu da aurora.
 
 

sábado, 28 de dezembro de 2013

AINDA QUERO II


Sobre “Não Quero Mais”, poema de Ted Marimba.

não quero mais
muitas coisas
pois só o poema

não sei, é anfetamina
de tanto verso
que disseram
que eu cato

no dicionário. Pensei
em minhas importâncias
nas desimportâncias
no sonho do infinito

decidi deixar
a velocidade das arquiteturas
entrar de vez no ritmo das nuvens


posso ver zil telas
esboçadas no dia
e
acendo a vela
no olho da ventania.

 

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

PROGRESSIVA



É tua a imagem que me teima
entre os escombros das alamedas
desasfaltadas dos meus pensamentos,
tão proibidos, que se reinventam
em dízimas de nãos - as periódicas -
desta matemática infinita
sem razão exata, pois sibilina
é a tua teia que me enforca.
E como escapar destes fantasmas
multiplicados que vêm e me cortam
fundo, de escápula a escápula,
mas ao mesmo tempo me revigoram?
É tua a imagem que me queima
e tua a alma que me algema.

PEDIDOS


Peço que não me mate
junto desta orquestra
que pulsa embalada
a fim do tom mais grave

dos confins mais longínquos
da minha alma fria,
de éter, bailarina,
que no ar rodopia

sobre o bafo quente
de versos decadentes
que faço e desfaço,
que bebo e engasgo

nas frestas da aurora
e no fio do ocaso.
Peço que não me corte
a vida... Nem a morte.



sábado, 21 de dezembro de 2013

INDEPENDÊNCIA OU MORTE


Os seus nãos não são nus são sins vestidos

da paúra pálida dos desejos

que você prefere assim detidos

na sombra da sua cela de medos

onde as vozes que julgam seus passos

ainda legislam na sua vida

os princípios crus da hipocrisia:

faça o que digo; não o que faço.

E enquanto você não der um golpe

no seu próprio estado de espírito

e que liberte todo o arbítrio

acumulado, nunca será forte.

O dia a quer ida, quer aposta,

mas que saiba o caminho de volta.
 
 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

DIA DE DOMINGO




Aurora ainda espreguiçava

quando teu olhar, em mim, se lançava

feito se eu fosse a tua presa

e tu a majestade das tigresas

 

nesta mágica que se instalou...

O que era caça se transformou

em caçador... Toda a minha lança

armada nas curvas das tuas ancas.

 

E nem a ressaca do meio-dia

− quando o sol a pino nos condena –

desfez o encanto; não foi antídoto...

Restou uma só palavra: obscena...

 

E aquela derradeira imagem:

minha carne dentro da tua carne.


 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

VÁCUO


 
Usas a fábula

como apoio

deste ataque

vil e absorto

 

(feito se fosses

rei do açoite)

que desferiste,

dedo em riste,

 

bem no poeta

já que pareces

que tens na pele

a chave mestra

 

dos cadeados

de sua alma

e da sentença

que o condena

 

− rito sumário −

ao breu do beco

onde os falsos

se movimentam.

 

Não há surpresa

todas as cartas

estão na mesa

sob um opaco

 

conto de fadas

onde poemas

− meras ciladas −

fingem presença

 

já que fingida

é tua vida

que acha isso

mas é aquilo

 

− morto é vivo

vivo é morto.

O teu arroto

é teu abismo.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

FOI ASSIM


Também fiquei à deriva

do mel da tua saliva

e foi forte a vertigem

feito se todos os timbres

 
soassem o som do sim

pelas frestas dos ouvidos,

por entre as avenidas...

Te abri com minha língua.


Foi desamparo de alma:

aquela calma tremida.

domingo, 29 de setembro de 2013

POLOS




Teu perfume reina pelos espaços
do carro ao teu dossel do meu quarto,
dos confins da alma e do meu corpo
que traz teu sangue e sua teu gozo.

E quando eu vir de novo a tarde,
pobre tarde, não será mais a bela
cor que brilha na minha aquarela
de mel, de âmbar e de Gabriela.

Foste embora, mas o meu lençol
sobrepôs as linhas do teu contorno
− são silhuetas ou raios de sol
que em mil vezes me deixaram morto?

Por que a tua imagem teimosa
me cega, me urge e me sufoca?

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

AINDA QUERO


Sobre “Não Quero Mais”, poema de Ted Marimba.


não quero mais
muitas coisas
pois só o poema

não sei, é gasolina
de tanto verso
que dizem
que eu cato

no dicionário. Pensei
em minhas importâncias
nas desimportâncias
no sonho do infinito

decidi deixar
a velocidade das línguas
entrar de vez no ritmo das nuvens


posso ver zil telas
encaixadas no dia
e
encontro a calma
no olho da ventania.

TEMPOS


Virá um tempo
do fim dos fins
feito este vento
a ventar em mim.

Virá um tempo
do entendimento
natural e nascido
na força do infinito.

Virá um tempo
do discernimento
de amor costurado
na tesoura do pecado.

Virá um tempo
do doar intenso

de amor, de asas e deste exercício
de se pular no seu próprio precipício.

sábado, 24 de agosto de 2013

VIAGENS




E bem maior do que muitas vontades
é o desejo, um que te aquece
inteiro; dos miolos às espadas
de pelos que brotam da tua pele.
E um latifúndio de arrepios
imediatamente se instala
feito se fosse o último pico
no calo da veia do viciado
− eu, o tremor; você, a heroína.
E só uma dose sua não basta
pois uivos e longos são os gemidos
e azul cobalto a madrugada.
E só da sua boca é que fumo
o tabaco do amor mais profundo.

       

sábado, 17 de agosto de 2013

TRÁFEGOS



A tarde jamais se basta...
É tal como o poema:
nunca é; sempre está
no centro da ampulheta.

Quem poderia, poeta,
saber de todas as cores
que vêm desta aquarela
mameluca quase roxa?

O vapor deste cenário
conecta os horizontes
do pincel e da palavra:
duas pistas, uma ponte.

E a imensidão rasga
a folha do alfarrábio.
Nem o céu, nem o poema
pertencem ao teu esquema.

Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Marlos Degani, Nova Iguaçu/RJ, é jornalista. Lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2006 e que conta com a apresentação do poeta Ivan Junqueira, imortal da Academia Brasileira de Letras, falecido em 2014. Em setembro/14 lançou o segundo volume de poemas chamado INTERNADO, também pelo formato e-book, disponível nas melhores livrarias virtuais do planeta. Em 2021, pela Editora Patuá, lançou o seu terceiro volume, chamado UNIPLURAL. Participa como poeta convidado da edição número 104 da Revista Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras, lançada em janeiro/21, ao lado de grandes nomes da literatura brasileira.