terça-feira, 13 de julho de 2010
NAUFRAGADO
tentar sobreviver até à tona,
resistir à pressão de sua sombra
que faz fim de sua parca nobreza
e espalha o olor da sujeira
que você cobriu de covardia,
de armadilha em armadilha,
de avareza em avareza.
Poemas são superfícies falsas,
o ar do verso é mentiroso
e o poeta morre afogado
sem ninguém que vele o seu corpo.
Emergir de dentro de você mesmo
é desnascer além do seu sesmo.
quinta-feira, 20 de maio de 2010
ANÁLOGOS
e todos os matizes infinitos de sua paleta:
brancos, ocres, roxos, carmins e magentas
- ocaso furta-cor que sucumbe à noite veloz.
Há mil encantos nos balés dos oceanos
e todos os matizes infinitos de sua paleta:
verdes, pretos, berinjelas e azuis de veneta
que corto com a afiada quilha do meu pranto.
Há mil encantos no poema e até Deus duvida
que é feito a vida: parece, mas nunca foi finita.
MORTO
este que, dos féis, é o mais poderoso,
pois não há nada mais triste e absorto
(tua ausência que me dói dorso a dorso)
do que o cinza severo a tingir o dia e o choro,
maior do que o mar ─ e que conclui o corpo
sem ladainha nem vela nem reza nem coro:
somente eu posso e ouço o meu grito silencioso.
quarta-feira, 19 de maio de 2010
quinta-feira, 13 de maio de 2010
RESGATE
contra essas chibatadas
que a tua ausência
me crava quando alimenta
a minha dor em carne viva
(bem junto da alma aflita)
e me prende num labirinto
sem novelo e sem arbítrio.
Só a tua luz aberta
me ascende das cavernas.
quarta-feira, 5 de maio de 2010
ENCANTADA
mas em sonhos e versos enxergo
as tuas curvas exuberantes
e teu beijo - concerto do instante -
é foz e nascente dum mel selvagem
que descerra anseios e vontades,
que acha no breu uma nova fresta
por onde a vida se manifesta.
A pá do poema junta meus restos
que te procuram cegos e sedentos
num mar negro - sem fundo e espesso -
do naquim borrado no palimpsesto.
Te amar é recolher encantos
no sal do teu riso e do teu pranto.
terça-feira, 4 de maio de 2010
segunda-feira, 26 de abril de 2010
ÂNIMA
de todo o tudo do universo,
nem o soluço mudo, esta neve
que me desce e solidifica
a vida que desisto de viver;
e nem Deus saberia entender
dessa dor que reverbera intensa
nos ecos ocos da tua ausência,
esta chuva amaldiçoada
de gritos, de gemidos e de lágrimas,
uma tempestade de saudade
quando te vejo por todas as partes.
Meu corpo ainda acalenta
o mel do teu beijo que me sustenta.
sábado, 17 de abril de 2010
NÁUFRAGO
sou de insoluções − pó e febre − ,
infinito − cheio de vazios
que jamais serão preenchidos
pois na liberdade desses espaços
é que o poema reina em mim,
onde há caminho, não o atalho;
onde há capítulo, não o fim.
Não possuo as peças que faltam
no quebra-cabeça da minha vida,
não me respondo nas sabatinas
dos tribunais das madrugadas.
Tirei há muito as mãos do leme:
fiz do vento meu próprio presente.
sexta-feira, 16 de abril de 2010
AMARIA
sim, sinto, te amaria,
tanto, que ninguém amaria.
Confesso: te amaria,
cuidadoso te amaria,
fogoso te amaria,
vagaroso te amaria,
belicoso te amaria.
Amaria e amaria;
começo e fim: amaria.
terça-feira, 13 de abril de 2010
ASSIMÉTRICO
sou de avessos - alma e carne - ,
invertido - piso com a palma
da mão de pena atravessada
que impede o encaixe
numa inquieta assimetria,
onde há canastra, não o descarte;
onde há verso, não a poesia.
Assim vou ao meu próprio beco
e teço outra encruzilhada
além do desdém que me ataca,
da tirania do fim e do medo.
Sou só, mó de metro despedaçado
que mói as sobras do meu cansaço.
sexta-feira, 9 de abril de 2010
FRAGMENTOS
− onde a vida pulsa secreta
no mistério que a sustenta −
que minha alma presa é aberta.
A poesia não é do poeta
e nem luz para a tua caverna.
MARLOS DEGANI: «Poemas». Em: Soneto Partido. Nova Iguaçu: inédito, 2010. Fragmento final – verso 9˚ ao 14˚.
sexta-feira, 2 de abril de 2010
quinta-feira, 25 de março de 2010
SÓ O AMOR II
− o que viaja sem passaportes,
o que dispensa quaisquer transportes,
o que não é aurora nem ocaso,
o que te invade sem alarde,
o que confunde o sul com o norte,
o que em plena tarde te abate,
o que te deixa à própria sorte.
Se eu pudesse, compararia:
o amor é o ar que se respira.
SÓ O AMOR
e faz de mim um cego bem no meio
do penhasco, onde cada passo
precisaria ser planejado
− ali não há nenhum intervalo,
mas visito e sou visitado
por uma coragem infinita
que me ergue e me ilumina.
Teu amor generoso ensina:
tudo começa quando termina.
terça-feira, 16 de março de 2010
INTENSIDADE
que se compare ao brilho
deste teu olhar infinito
- esplendor do azul aberto
onde o céu está contido
e o mar elege abrigo.
Não há poema ou verso
que traduza o espectro
de uma nova saudade
que me doma e me invade.
sexta-feira, 5 de março de 2010
CIGANO
nem encaixada palavra;
nele não há matiz ou plasma
─ só o desdém à tua lágrima:
é éter que evapora,
que dói e vai embora.
terça-feira, 2 de março de 2010
SALTOS
do fim dos fins
feito este vento
a ventar em mim.
Virá um tempo
do entendimento
natural e nascido
na força do infinito.
Virá um tempo
do discernimento
de amor costurado
na tesoura do pecado.
Virá um tempo
do doar intenso
de amor, de asas e deste exercício
de se pular no seu próprio precipício.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
REFLEXOS
e trituro
- faço pó
e mudo
o urro
e sem dó
nego só
o futuro.
É preciso
a carne
e um grito
que abafe
o gemido
que arde
sem alarde
sem destino.
Sou espelho
de mim mesmo.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
ALMIRANTE
uma vez só seria pouco
no mútuo nasce e renasce
entre as ancas do teu corpo,
numa viagem sem chegada,
feito aquela do poema,
a de nunca se ter a caça
ou cabaça como emblema.
E a quilha do meu navio
quer singrar o teu mar bravio.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
ULTIMATO
do que estes, os do poema
(camuflagens de esquemas
sem luzes verdes nos sinais),
que convidam o ingênuo poeta
aos brilhos efêmeros duma festa
onde até o tudo parece permitido,
mas é o nada que assina o recibo.
Minha pena é a capataz da tortura
que visto avisado: dela não há fuga.
sábado, 13 de fevereiro de 2010
EU TE OCEANO
não tente me domar, me decifrar
nesta reta de começo, meio e fim
que é a tua maneira de raciocinar
o mundo, pois o teu grito é aberto,
trafega volátil no céu e no inferno,
faz do teu abraço, aula de abraçar,
faz do teu verbo, arma de perfurar.
Não me amedronte com conselhos,
não pense que não encaro o espelho;
vejo o infinito refletido no meu olhar
e a certeza: é preciso sempre buscar
a utopia cabal e completa dos sentidos;
um estágio de éter: ali não há o epílogo
intolerante, são livres todas as palavras
do jugo umbilical do poeta escravocrata.
Não me venha com essa ou com aquela:
deixa o meu vento ventar nas tuas velas.
AUTO-RETRATO
de aquarelas sem cores
− de dúvidas e infinitos,
de sombras e bastidores,
tomado por este teimoso fracasso:
o de caçar o poema e o seu cabaço.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
sábado, 6 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
AMARGOR
da cultura feroz e egoísta do poeta;
e não há mel algum nessa colméia
de favos repletos de pus e miséria.
CANDEEIRO
quando flutuo a esmo
(da carne ao esqueleto,
da denúncia à sentença),
imerso neste esquema
de não ter fim nem começo;
blefa: põe fé no tabuleiro
e traveste a algema.
Não há luz no cativeiro:
é do poema o candeeiro.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
SEREIA
a morte, num raio, fecha tudo o que se abriu;
ama a vida na dor que sabe a lição do diário:
a chama chama, mas não pode beijar o pavio.
A PARTIR DO A PARTIR
não lhe importa saber se tudo ou se nada,
mas há tanta vida no meio, no pomar lotado,
que ela morde a maçã: viver é o seu pecado.
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
CRISTALINA
não tem fim ou meio, mas começo;
não há destino de onda em sua vela:
a morte é o vidro chovido da janela.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
TOLICES
Tem gente que defende que só há a sua sensatez.
Tem gente que mescla a poesia com o umbigo.
Tem gente que pensa que o poema era uma vez.
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
ALFAIAS
que acredita na força da pena
que pode outorgar a sentença
do verso ou da sua intimidade.
Ai do poeta, do seu trêmulo estandarte
que se desfaz na brisa rubra da tarde.
SÓ E SEM
quando a noite só trazia pranto,
grito, cheiro de flor, soluços, espanto,
insônia, nicotina, pílula, desencanto.
E insisto vivo no visgo deste tempo de fuga
onde o meu choro ainda só chora na chuva.
sábado, 16 de janeiro de 2010
AUSÊNCIA FATAL
que somente faz nó com o gozo do que já passou.
Mas é a tua afiada ausência que faz sangue neste agora
feito uma silenciosa guilhotina que se irrompe e me degola.
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
DESAFIO X
que serviu apenas para o nada
pois o poema não é a palavra
lançada e não mora na ferida
do poeta imerso em seu umbigo
que se define o patrão do infinito
e faz do verso um conto de fadas
a serviço da sua próxima lágrima.
E nunca aposte nenhum centil na esperança:
o poema declina. Não tem par em sua dança.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
DESAFIO IX
é a que oferece, nos bordos do umbigo,
este quase irresistível e fatal batismo
de poeta: versador pronto para versar.
Somente o malandro é quem afasta
o embate direto da chama e do pavio
pois nenhum deles vence o desafio
que apenas existe porque não acaba.
Sigo fissurado e perdido no breu sem mapa
desta conectada cilada azulada de plasma.
domingo, 10 de janeiro de 2010
DESAFIO VIII
de inutilmente lançar falácias
instantâneas (tecladas na tela)
nesta vil ilusão que reverbera
o eco oco, o decibel do nada,
um timbre oculto, às avessas,
que reabastece a pena cega,
esma, rombuda e sem estrada.
Espera um dia; a brincadeira acaba:
nos sete palmos úmidos da palavra.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
DESAFIO VII
(num parto exposto de palavras
diretamente digitadas neste plasma)
a amamentar o embrião natimorto
que nenhum deus poderá salvar
pois não há substância no colostro
do improviso, da maquiagem barata
que atenua a palidez do seu rosto.
O poeta continua a brincar de poeta;
mas não esconde a dor que o atravessa.
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
NA DOR
— que não passa pela ubiqüidade;
cada dor sabe de que jeito arde
e do nome que há no batistério:
culpa, orgulho, adultério,
desamor, ciúme, falsidade,
inveja, soberba, critério,
epílogo, mentira, verdade,
ignonímia, ódio, saudade,
abandono, invisibilidade,
discriminação, arrogância,
injúria, mordaça, ignorância.
Há na dor uma altiva certeza:
ninguém escapa da sua presa.
DESAFIO VI
que te invade pelas narinas,
faz do não, sua breve piada
e parte sem ser anunciada.
O poema é a antítese fugidia
que contém o tudo e o nada,
ingredientes desta armadilha
- a de não saber o que se caça.
Pode haver a palavra camuflada nos estilhaços;
mas não há o poema: nem nos pequenos frascos.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
DESAFIO V
mas enviou esta lágrima na tela
(tremeu a mão e a pena que medra
pois seu castigo é igual ao de Prometeu:
esvaziar-se à sede oceânica de um deus
que não milagreia e nenhum filho ofereceu
para perdoar as longas folhas encharcadas
do suor solto na masmorra das madrugadas).
O poeta finge que não liga, cria neologismos;
já sabe perambular à beira do próprio abismo.
DESAFIO IV
fazer do teclado uma chaira
e do fonema uma navalha
que toda já se esvai, sem fio,
sugada pelo precipício do poema
(pontiagudo, escuro, surdo, frio)
onde aquela dor que te queima
bate o martelo e ateia o barril.
Ainda que mergulhado nas fuligens do nada,
o poeta se reúne nos corais da provável palavra.
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
DESAFIO III
e já estou aqui, neste plasma,
a desafiar o todo cru do verso
e a sua ardilosíssima cilada
que fisga o poeta pelo umbigo,
o repuxa rápido ao falso alto
do seu cordão - que é infinito
e o faz o tolo herói do assalto.
Só quero saber de fato o quanto resta
para o vento vir e bater na minha testa.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
METADES - CANTO I
que na tua ausência sonega
o ar e o torna rarefeito
— e me sufoco pelo avesso.
Há um ódio em mim tão intenso
que cala a fugidia razão
quando me embriago de veneno
e livro o ciúme da prisão.
Não construo cercas... O poema
que persigo desdenha do mapa,
permite pernoites da diferença:
amor e ódio na mesma casa.
Te amo e moro na tua toca.
Te odeio e abro a minha cova.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
ABSTRAÇÕES
Vejo formas de rostos nas paredes descascadas,
nas falhas dos chapiscos de muros incompletos,
nos vestígios furta-cores das demãos do passado
e na sujeira da vida impressa na tinta asséptica.
Ouço vozes e desconheço de onde elas partem
e nem sei se de fato partem; se estas ocas audições
(que se tornam tensas diante destes misteriosos apartes)
são recados imaginados ou gemidos dos meus porões.
Degusto o vento; quero-o, anseio-o a cada intervalo,
seja feito brisa morna que amacia a cama do dia,
seja feito lâmina gélida que deita a saudade e fatia
o abismo em degraus e a morte em desejo adiado.
Exalam invasoras ao redor das minhas narinas
o chorume e a fragrância bandida das esquinas,
uma a uma, olor a olor, nota crua a crua nota
que passam ligeiras, enquanto a alma se transporta.
Pego o verso somente quando o caço feito a um rato
e ele morde, me lança em chamas, não quer ser escravo
e concreto armado de fogo natimorto: algo fracassado
que já partiu no ocaso, mas deixou seu anzol armado.
O poeta tem inexatos treze pedaços soltos na curva:
cinco sentidos, sete pecados e um poema em fuga.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
DESAFIO II
feito se a tela fosse guardanapo,
feito se o boteco fosse meu quarto
e o cigarro uma amarga aguardente
que posta a coragem e sela o chamado:
conheça esta carne versada e quente
que por você rebaixa todo o passado
e liberta a ânsia do futuro e o mel do presente.
Voa que o poeta aterrissa manso o seu alfabeto alado.
Pousa: faça do meu corpo o seu hangar. O seu pecado.
REBENTOS
o enredo acelerado
de bocas famintas,
ávidas da macia carne.
Quando já não há freio
do corpo noutro corpo,
agora um mesmo mar
― gênese do infinito.
Quando não há decibéis
para o silêncio ofegante,
rarefeito, deste límpido cume
de duas mortes satisfeitas.
Quando o mundo ressuscitado
cabe na pausa do beijo mútuo,
penúltimo, levitado, fundido e mordiscado:
almas soldadas em pleno fogo farto.
Quando o nosso gozo se traduz num nosso parto.
domingo, 29 de novembro de 2009
DESAFIO
do Desmaio alguns versos,
juntar as peças estilhaçadas
em pó, em punhal, em navalhas
que me cortam a carne suada,
fria, pálida, só, frêmita e tatuada
pelo nanquim que não encontrou
a sua casa: o poema o derrotou.
O poeta não crê em nenhuma verdade;
exceto a do poema: uma vela na claridade.
ESCONDERIJOS
por ti em mudas janelas.
Cansei de sonhar
a ver-te nua sem querelas.
Cansei de respirar
teu ar pelas tabelas.
Cansei de naufragar
a navegar-te pelas quimeras.
Cansei de imaginar
como seria a nossa guerra:
eu um todo exército pontiagudo
que derrotaria os mil nãos do teu escudo.
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
SEM TÍTULO
as imagens que guardo e carrego,
os atalhos por onde trafego,
os pelos esmos dessa minha tez
e meus olhos zonzos e perplexos
aprenderam por meio da mudez:
cale o corpo — é da alma o alfabeto;
e do vento o sopro da insensatez.
Naquele dia um estranhamento
voraz tomou posse do pensamento
quando tudo perdeu o sentido
(ilusão de se poder ter o infinito).
Fizeste do belo um escravo
da tua tensa mescla: fada e pecado.
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
ENTRE NÓS
Não deixemos desatar os nós de nós
dois; não afrouxemos os laços
erguidos em agridoces bordados
de dores distintas que se fecharam sócias
e ligadas livremente pelos polos
que antes as mantinham afastadas
quando, escurecidas, ignoravam
o mútuo desejo que une os opostos.
Não entreguemos o segredo do cofre
à ânsia nefasta da harpia
camuflada nas penumbras do dia
e na inveja que transborda de seu copo:
guardemos dentro da gente, alados,
este amor que nos fez abalroados.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
NOVOS ARES
uma mágica neles se instalou
o que era ocaso virou alvorada
e toda a ferida cicatrizou.
Desde quando meus olhos te abordaram
um imenso sol no meu céu se abriu
o que era soluço virou gargalhada
e a tristeza, de mala e cuia, partiu.
Desde quando meus olhos te furtaram
um outro mundo em mim se formou
o que era córrego virou praia
e todo o sal do universo me temperou.
Desde quando teu abraço me envolveu
fiz de mim mesmo o meu próprio apogeu.
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
SEM FIM
de mal-amada
desafia meus poros,
todos, um a um,
pêlo a pêlo.
Tua marquinha de praia,
teus seios pequenos,
teu tudo pequeno
se agiganta em mim
feito tua alvura de marfim.
Eu te poria de quatro,
de supetão morderia
tuas bundas, desceria aos pés,
mergulharia às ilhargas. Não pararia.
Te poria do avesso e te chamaria
de puta, de cachorrinha, enrolaria
meus dedos nos teus cabelos (te puxaria)
e, de perto, navegaria na tua língua
até o ar se extinguir em quero assim,
em venha aqui caralho, em goze em mim!
Depois do infinito, te acordaria
em lambidas na tua vagina, profundas,
passaria pela tua divisa, teu ânus
cor-de-rosa, fechadinho, e, frenético,
subiria para sugar todo o teu gozo inédito,
colheria teus urros, sangraria sobre
tuas unhas cravadas no meu dorso,
te chamaria de única, molharia teu lençol
arrumadinho, despertaria os vizinhos
atordoados, debruçados nesta manhã alvissareira.
Te roubaria uns beijos,
reiniciaria o que nunca foi fim;
roubaria outros beijos,
outros escondidos segredos
e te ressuscitaria, de novo, para mim.
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
APRENDIZ
Eu sou um eu que quer ser ele mesmo
provar o sabor desse arbítrio
e o que há nele de doce, de infinito,
de amargo, de sonho e pesadelo;
ser este incompleto em erros e acertos
que não inveja a loa do outro, o ouro
a brilhar na retina, nem mergulha no poço
onde mora a fonte do pranto alheio.
Eu sou um eu que quer ser ele mesmo,
pois aqui nenhuma aula se cabula,
nenhuma lição, diurna ou noturna,
deixa de ser ministrada pelo tempo.
A vida que me some e me subtraia
no inexato gume da sua navalha.
terça-feira, 11 de agosto de 2009
FÉ
mudar tua palavra
para mel de rainha
liberta e nunca escrava.
Como eu queria
destrancar as defesas
girar na tua poça tesa
beber garapa de poesia.
Como eu queria
as chaves do teu coração
abri-lo à ardorosa emoção
deste amor que me renuncia.
Como eu queria
na paz nossa moradia.
Ah, como eu queria!
SEM NOME
que emerge meio santa meio cigana
que aumenta as garras, o calor e a força
quando me adoço com o mel da tua boca
e alago todo o teu recato, toda a tua poça
onde nos transbordamos em longos gemidos
infinitos? Que obriga que a gente se contorça
nesta cama — território feito fosse o paraíso?
Como se chama esta erosão repentina
que abre tua fenda outrora escondida
que elimina tenente os nãos do vocabulário
quando me visto com o teu suor almiscarado
e trafego éter sobre teu corpo, teus cálices
onde nos derretemos em longas soldagens
ardentes? Que decreta o fim das miragens
neste antideserto — reino dos mil oásis?
Como se chama esta coisa sem nome
esta dor às avessas que nos consome?
sábado, 1 de agosto de 2009
LEVA
leva de vez enquanto eu choro
a vida que se esvai pelos poros
lentamente: assim eu me devoro
na imensidão do vazio que ocupa
a sua ausência ampla que desnuda
o peito, esta adaga forjada na tortura
de vê-la na luz, no breu e na penumbra.
Leva tudo. Leva também o nosso amor.
Cuida dele que eu cuido da minha dor.
Marlos Degani
- MARLOS DEGANI
- Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
- Marlos Degani, Nova Iguaçu/RJ, é jornalista. Lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2006 e que conta com a apresentação do poeta Ivan Junqueira, imortal da Academia Brasileira de Letras, falecido em 2014. Em setembro/14 lançou o segundo volume de poemas chamado INTERNADO, também pelo formato e-book, disponível nas melhores livrarias virtuais do planeta. Em 2021, pela Editora Patuá, lançou o seu terceiro volume, chamado UNIPLURAL. Participa como poeta convidado da edição número 104 da Revista Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras, lançada em janeiro/21, ao lado de grandes nomes da literatura brasileira.