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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

GORJEIOS IV

O som é uma concessão do silêncio; o gozo, da harmonia; o sonho, da liberdade; o pódio, da disciplina; a morte, da vida e o amor, da utopia.




* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS II

A vida trafega quando, infinita, se desencontra; o fim é um inútil inerte, celeuma. O poema não possui o verso e nem o verso possui o poema.




* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS III

Não há nenhum sonho ou fervorosa prece quando a teimosa saudade é quem velocíssima te amanhece e a manhã que nasce mais parece que anoitece.




* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS

Há vezes que o verso não sai. Muitas vezes. Zanza dentro de você. Atazana as vísceras. Pula. Corcoveia. Dono da farra que não mostra a cara.




* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

domingo, 25 de julho de 2010

MAREMOTOS

Ter esta coragem: a de dar as asas
para quem a macia quentura é o ar
que se tem de, sufocado, respirar
meio às frestas de infinitas casas

de um corpo mais do que um corpo
a doar mil gozos para os meus gozos
de uma alma mais do que uma alma
a diluir entre méis o caos em calma

− antônimo radical do que seja descanso
mas, e sim, de certa vagarosidade acesa
íntima de mil atalhos dos flancos insanos
que velozes rebentam a brasa em labareda.

O amor passeia na chuva e não crê no pranto
pois o egoísmo, o único inimigo, já é oceano.

terça-feira, 13 de julho de 2010

NAUFRAGADO

Emergir de suas profundezas,
tentar sobreviver até à tona,
resistir à pressão de sua sombra
que faz fim de sua parca nobreza

e espalha o olor da sujeira
que você cobriu de covardia,
de armadilha em armadilha,
de avareza em avareza.

Poemas são superfícies falsas,
o ar do verso é mentiroso
e o poeta morre afogado
sem ninguém que vele o seu corpo.

Emergir de dentro de você mesmo
é desnascer além do seu sesmo.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

ANÁLOGOS

Há mil encantos nas nuvens contra o sol
e todos os matizes infinitos de sua paleta:
brancos, ocres, roxos, carmins e magentas
- ocaso furta-cor que sucumbe à noite veloz.

Há mil encantos nos balés dos oceanos
e todos os matizes infinitos de sua paleta:
verdes, pretos, berinjelas e azuis de veneta
que corto com a afiada quilha do meu pranto.

Há mil encantos no poema e até Deus duvida
que é feito a vida: parece, mas nunca foi finita.

MORTO

A solidão me serve um fel amargoso,
este que, dos féis, é o mais poderoso,
pois não há nada mais triste e absorto
(tua ausência que me dói dorso a dorso)

do que o cinza severo a tingir o dia e o choro,
maior do que o mar ─ e que conclui o corpo
sem ladainha nem vela nem reza nem coro:
somente eu posso e ouço o meu grito silencioso.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

quinta-feira, 13 de maio de 2010

RESGATE

O tempo virou batalha
contra essas chibatadas
que a tua ausência
me crava quando alimenta

a minha dor em carne viva
(bem junto da alma aflita)
e me prende num labirinto
sem novelo e sem arbítrio.

Só a tua luz aberta
me ascende das cavernas.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

ENCANTADA

Ainda não pude te ver de perto,
mas em sonhos e versos enxergo
as tuas curvas exuberantes
e teu beijo - concerto do instante -

é foz e nascente dum mel selvagem
que descerra anseios e vontades,
que acha no breu uma nova fresta
por onde a vida se manifesta.

A pá do poema junta meus restos
que te procuram cegos e sedentos
num mar negro - sem fundo e espesso -
do naquim borrado no palimpsesto.

Te amar é recolher encantos
no sal do teu riso e do teu pranto.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

ÂNIMA

Nem mesmo a improvável medida
de todo o tudo do universo,
nem o soluço mudo, esta neve
que me desce e solidifica

a vida que desisto de viver;
e nem Deus saberia entender
dessa dor que reverbera intensa
nos ecos ocos da tua ausência,

esta chuva amaldiçoada
de gritos, de gemidos e de lágrimas,
uma tempestade de saudade
quando te vejo por todas as partes.

Meu corpo ainda acalenta
o mel do teu beijo que me sustenta.

sábado, 17 de abril de 2010

NÁUFRAGO

Não haverá um xis que me zere,
sou de insoluções − pó e febre − ,
infinito − cheio de vazios
que jamais serão preenchidos

pois na liberdade desses espaços
é que o poema reina em mim,
onde há caminho, não o atalho;
onde há capítulo, não o fim.

Não possuo as peças que faltam
no quebra-cabeça da minha vida,
não me respondo nas sabatinas
dos tribunais das madrugadas.

Tirei há muito as mãos do leme:
fiz do vento meu próprio presente.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

AMARIA

Eu acho que te amaria,
sim, sinto, te amaria,
tanto, que ninguém amaria.
Confesso: te amaria,

cuidadoso te amaria,
fogoso te amaria,
vagaroso te amaria,
belicoso te amaria.

Amaria e amaria;
começo e fim: amaria.

terça-feira, 13 de abril de 2010

ASSIMÉTRICO

Caibo em nada; nada me cabe,
sou de avessos - alma e carne - ,
invertido - piso com a palma
da mão de pena atravessada

que impede o encaixe
numa inquieta assimetria,
onde há canastra, não o descarte;
onde há verso, não a poesia.

Assim vou ao meu próprio beco
e teço outra encruzilhada
além do desdém que me ataca,
da tirania do fim e do medo.

Sou só, mó de metro despedaçado
que mói as sobras do meu cansaço.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

FRAGMENTOS

É dentro da orgia do poema
− onde a vida pulsa secreta
no mistério que a sustenta −
que minha alma presa é aberta.

A poesia não é do poeta
e nem luz para a tua caverna.

MARLOS DEGANI: «Poemas». Em: Soneto Partido. Nova Iguaçu: inédito, 2010. Fragmento final – verso 9˚ ao 14˚.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

CASTELOS

Um amor inédito
transborda aqui dentro
nesta sede de deserto
do teu beijo que invento.

quinta-feira, 25 de março de 2010

SÓ O AMOR III

O amor dói
(novelo sem linha):
ora te constrói
ora te definha.

SÓ O AMOR II

Comparar o que é incomparável
− o que viaja sem passaportes,
o que dispensa quaisquer transportes,
o que não é aurora nem ocaso,

o que te invade sem alarde,
o que confunde o sul com o norte,
o que em plena tarde te abate,
o que te deixa à própria sorte.

Se eu pudesse, compararia:
o amor é o ar que se respira.

SÓ O AMOR

Este teu amor é milagreiro
e faz de mim um cego bem no meio
do penhasco, onde cada passo
precisaria ser planejado

− ali não há nenhum intervalo,
mas visito e sou visitado
por uma coragem infinita
que me ergue e me ilumina.

Teu amor generoso ensina:
tudo começa quando termina.

terça-feira, 16 de março de 2010

INTENSIDADE

Não há luz no universo
que se compare ao brilho
deste teu olhar infinito
- esplendor do azul aberto

onde o céu está contido
e o mar elege abrigo.
Não há poema ou verso
que traduza o espectro

de uma nova saudade
que me doma e me invade.

sexta-feira, 5 de março de 2010

CIGANO

O poema não tem casa
nem encaixada palavra;
nele não há matiz ou plasma
─ só o desdém à tua lágrima:

é éter que evapora,
que dói e vai embora.

terça-feira, 2 de março de 2010

SALTOS

Virá um tempo
do fim dos fins
feito este vento
a ventar em mim.

Virá um tempo
do entendimento
natural e nascido
na força do infinito.

Virá um tempo
do discernimento
de amor costurado
na tesoura do pecado.

Virá um tempo
do doar intenso

de amor, de asas e deste exercício
de se pular no seu próprio precipício.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

REFLEXOS

Sou mó, só,
e trituro
- faço pó
e mudo

o urro
e sem dó
nego só
o futuro.

É preciso
a carne
e um grito
que abafe

o gemido
que arde
sem alarde
sem destino.

Sou espelho
de mim mesmo.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

AFORISMO DICOTÔMICO

Cada vez mais eu acho:
o poema é o meu Deus
e também o meu Diabo.

ALMIRANTE

Se uma vez eu te amasse,
uma vez só seria pouco
no mútuo nasce e renasce
entre as ancas do teu corpo,

numa viagem sem chegada,
feito aquela do poema,
a de nunca se ter a caça
ou cabaça como emblema.

E a quilha do meu navio
quer singrar o teu mar bravio.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

ULTIMATO

Nunca vi vírus mais fatais
do que estes, os do poema
(camuflagens de esquemas
sem luzes verdes nos sinais),

que convidam o ingênuo poeta
aos brilhos efêmeros duma festa
onde até o tudo parece permitido,
mas é o nada que assina o recibo.

Minha pena é a capataz da tortura
que visto avisado: dela não há fuga.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

EU TE OCEANO

Não me procure dentro de mim,
não tente me domar, me decifrar
nesta reta de começo, meio e fim
que é a tua maneira de raciocinar

o mundo, pois o teu grito é aberto,
trafega volátil no céu e no inferno,
faz do teu abraço, aula de abraçar,
faz do teu verbo, arma de perfurar.

Não me amedronte com conselhos,
não pense que não encaro o espelho;
vejo o infinito refletido no meu olhar
e a certeza: é preciso sempre buscar

a utopia cabal e completa dos sentidos;
um estágio de éter: ali não há o epílogo
intolerante, são livres todas as palavras
do jugo umbilical do poeta escravocrata.

Não me venha com essa ou com aquela:
deixa o meu vento ventar nas tuas velas.

AUTO-RETRATO

Todo de traços falidos,
de aquarelas sem cores
− de dúvidas e infinitos,
de sombras e bastidores,

tomado por este teimoso fracasso:
o de caçar o poema e o seu cabaço.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

AMARGOR

O poema é uma fratura descoberta
da cultura feroz e egoísta do poeta;
e não há mel algum nessa colméia
de favos repletos de pus e miséria.

CANDEEIRO

Essas trilhas do poema
quando flutuo a esmo
(da carne ao esqueleto,
da denúncia à sentença),

imerso neste esquema
de não ter fim nem começo;
blefa: põe fé no tabuleiro
e traveste a algema.

Não há luz no cativeiro:
é do poema o candeeiro.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

SEREIA

Ainda com cascas entre os seus duros lábios,
a morte, num raio, fecha tudo o que se abriu;
ama a vida na dor que sabe a lição do diário:
a chama chama, mas não pode beijar o pavio.

A PARTIR DO A PARTIR

De fato disposta a morte é uma viciada,
não lhe importa saber se tudo ou se nada,
mas há tanta vida no meio, no pomar lotado,
que ela morde a maçã: viver é o seu pecado.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

CRISTALINA

A morte é um velocíssimo tropeço,
não tem fim ou meio, mas começo;
não há destino de onda em sua vela:
a morte é o vidro chovido da janela.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

TOLICES

Tem gente que acha a loucura um preciosismo.
Tem gente que defende que só há a sua sensatez.
Tem gente que mescla a poesia com o umbigo.
Tem gente que pensa que o poema era uma vez.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ALFAIAS

Ai do poeta que tem verdade
que acredita na força da pena
que pode outorgar a sentença
do verso ou da sua intimidade.

Ai do poeta, do seu trêmulo estandarte
que se desfaz na brisa rubra da tarde.

SÓ E SEM

Houve aquele tempo estranho
quando a noite só trazia pranto,

grito, cheiro de flor, soluços, espanto,
insônia, nicotina, pílula, desencanto.

E insisto vivo no visgo deste tempo de fuga
onde o meu choro ainda só chora na chuva.

sábado, 16 de janeiro de 2010

AUSÊNCIA FATAL

Minha saudade não é aquela presa ao retrovisor
que somente faz nó com o gozo do que já passou.

Mas é a tua afiada ausência que faz sangue neste agora
feito uma silenciosa guilhotina que se irrompe e me degola.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

DESAFIO X

Encerro no dez esta série cínica
que serviu apenas para o nada
pois o poema não é a palavra
lançada e não mora na ferida

do poeta imerso em seu umbigo
que se define o patrão do infinito
e faz do verso um conto de fadas
a serviço da sua próxima lágrima.

E nunca aposte nenhum centil na esperança:
o poema declina. Não tem par em sua dança.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

DESAFIO IX

A pior armadilha que se possa armar
é a que oferece, nos bordos do umbigo,
este quase irresistível e fatal batismo
de poeta: versador pronto para versar.

Somente o malandro é quem afasta
o embate direto da chama e do pavio
pois nenhum deles vence o desafio
que apenas existe porque não acaba.

Sigo fissurado e perdido no breu sem mapa
desta conectada cilada azulada de plasma.

domingo, 10 de janeiro de 2010

DESAFIO VIII

Minha teimosia insiste na farsa
de inutilmente lançar falácias
instantâneas (tecladas na tela)
nesta vil ilusão que reverbera

o eco oco, o decibel do nada,
um timbre oculto, às avessas,
que reabastece a pena cega,
esma, rombuda e sem estrada.

Espera um dia; a brincadeira acaba:
nos sete palmos úmidos da palavra.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

DESAFIO VII

Outra vez aqui fingindo-me solto
(num parto exposto de palavras
diretamente digitadas neste plasma)
a amamentar o embrião natimorto

que nenhum deus poderá salvar
pois não há substância no colostro
do improviso, da maquiagem barata
que atenua a palidez do seu rosto.

O poeta continua a brincar de poeta;
mas não esconde a dor que o atravessa.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

NA DOR

Há na dor somente um sortilégio
— que não passa pela ubiqüidade;
cada dor sabe de que jeito arde
e do nome que há no batistério:

culpa, orgulho, adultério,
desamor, ciúme, falsidade,
inveja, soberba, critério,
epílogo, mentira, verdade,

ignonímia, ódio, saudade,
abandono, invisibilidade,
discriminação, arrogância,
injúria, mordaça, ignorância.

Há na dor uma altiva certeza:
ninguém escapa da sua presa.

DESAFIO VI

A palavra é química maldita
que te invade pelas narinas,
faz do não, sua breve piada
e parte sem ser anunciada.

O poema é a antítese fugidia
que contém o tudo e o nada,
ingredientes desta armadilha
- a de não saber o que se caça.

Pode haver a palavra camuflada nos estilhaços;
mas não há o poema: nem nos pequenos frascos.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

DESAFIO V

A provável palavra não apareceu
mas enviou esta lágrima na tela
(tremeu a mão e a pena que medra
pois seu castigo é igual ao de Prometeu:

esvaziar-se à sede oceânica de um deus
que não milagreia e nenhum filho ofereceu
para perdoar as longas folhas encharcadas
do suor solto na masmorra das madrugadas).

O poeta finge que não liga, cria neologismos;
já sabe perambular à beira do próprio abismo.

DESAFIO IV

Expor essas vísceras ao vivo,
fazer do teclado uma chaira
e do fonema uma navalha
que toda já se esvai, sem fio,

sugada pelo precipício do poema
(pontiagudo, escuro, surdo, frio)
onde aquela dor que te queima
bate o martelo e ateia o barril.

Ainda que mergulhado nas fuligens do nada,
o poeta se reúne nos corais da provável palavra.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

DESAFIO III

A hesitação partiu sem decreto
e já estou aqui, neste plasma,
a desafiar o todo cru do verso
e a sua ardilosíssima cilada

que fisga o poeta pelo umbigo,
o repuxa rápido ao falso alto
do seu cordão - que é infinito
e o faz o tolo herói do assalto.

Só quero saber de fato o quanto resta
para o vento vir e bater na minha testa.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

METADES - CANTO I

Há um amor em mim tão completo
que na tua ausência sonega
o ar e o torna rarefeito
— e me sufoco pelo avesso.

Há um ódio em mim tão intenso
que cala a fugidia razão
quando me embriago de veneno
e livro o ciúme da prisão.

Não construo cercas... O poema
que persigo desdenha do mapa,
permite pernoites da diferença:
amor e ódio na mesma casa.

Te amo e moro na tua toca.
Te odeio e abro a minha cova.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

ABSTRAÇÕES

Vejo formas de rostos nas paredes descascadas,

nas falhas dos chapiscos de muros incompletos,

nos vestígios furta-cores das demãos do passado

e na sujeira da vida impressa na tinta asséptica.


Ouço vozes e desconheço de onde elas partem

e nem sei se de fato partem; se estas ocas audições

(que se tornam tensas diante destes misteriosos apartes)

são recados imaginados ou gemidos dos meus porões.


Degusto o vento; quero-o, anseio-o a cada intervalo,

seja feito brisa morna que amacia a cama do dia,

seja feito lâmina gélida que deita a saudade e fatia

o abismo em degraus e a morte em desejo adiado.


Exalam invasoras ao redor das minhas narinas

o chorume e a fragrância bandida das esquinas,

uma a uma, olor a olor, nota crua a crua nota

que passam ligeiras, enquanto a alma se transporta.


Pego o verso somente quando o caço feito a um rato

e ele morde, me lança em chamas, não quer ser escravo

e concreto armado de fogo natimorto: algo fracassado

que já partiu no ocaso, mas deixou seu anzol armado.


O poeta tem inexatos treze pedaços soltos na curva:

cinco sentidos, sete pecados e um poema em fuga.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

DESAFIO II

Mais uma vez aqui, diretamente
feito se a tela fosse guardanapo,
feito se o boteco fosse meu quarto
e o cigarro uma amarga aguardente

que posta a coragem e sela o chamado:
conheça esta carne versada e quente
que por você rebaixa todo o passado
e liberta a ânsia do futuro e o mel do presente.

Voa que o poeta aterrissa manso o seu alfabeto alado.
Pousa: faça do meu corpo o seu hangar. O seu pecado.

REBENTOS

Quando já não basta
o enredo acelerado
de bocas famintas,
ávidas da macia carne.

Quando já não há freio
do corpo noutro corpo,
agora um mesmo mar
― gênese do infinito.

Quando não há decibéis
para o silêncio ofegante,
rarefeito, deste límpido cume
de duas mortes satisfeitas.

Quando o mundo ressuscitado
cabe na pausa do beijo mútuo,
penúltimo, levitado, fundido e mordiscado:
almas soldadas em pleno fogo farto.

Quando o nosso gozo se traduz num nosso parto.

domingo, 29 de novembro de 2009

DESAFIO

Escrever diretamente na tela
do Desmaio alguns versos,
juntar as peças estilhaçadas
em pó, em punhal, em navalhas

que me cortam a carne suada,
fria, pálida, só, frêmita e tatuada
pelo nanquim que não encontrou
a sua casa: o poema o derrotou.

O poeta não crê em nenhuma verdade;
exceto a do poema: uma vela na claridade.

ESCONDERIJOS

Cansei de gritar
por ti em mudas janelas.

Cansei de sonhar
a ver-te nua sem querelas.

Cansei de respirar
teu ar pelas tabelas.

Cansei de naufragar
a navegar-te pelas quimeras.

Cansei de imaginar
como seria a nossa guerra:

eu um todo exército pontiagudo
que derrotaria os mil nãos do teu escudo.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

SEM TÍTULO

Assim que te vi pela primeira vez
as imagens que guardo e carrego,
os atalhos por onde trafego,
os pelos esmos dessa minha tez
e meus olhos zonzos e perplexos
aprenderam por meio da mudez:
cale o corpo — é da alma o alfabeto;
e do vento o sopro da insensatez.
Naquele dia um estranhamento
voraz tomou posse do pensamento
quando tudo perdeu o sentido
(ilusão de se poder ter o infinito).
Fizeste do belo um escravo
da tua tensa mescla: fada e pecado.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

ENTRE NÓS

Não deixemos desatar os nós de nós

dois; não afrouxemos os laços

erguidos em agridoces bordados

de dores distintas que se fecharam sócias

e ligadas livremente pelos polos

que antes as mantinham afastadas

quando, escurecidas, ignoravam

o mútuo desejo que une os opostos.

Não entreguemos o segredo do cofre

à ânsia nefasta da harpia

camuflada nas penumbras do dia

e na inveja que transborda de seu copo:

guardemos dentro da gente, alados,

este amor que nos fez abalroados.


segunda-feira, 9 de novembro de 2009

NOVOS ARES

Desde quando meus olhos te fitaram
uma mágica neles se instalou
o que era ocaso virou alvorada
e toda a ferida cicatrizou.
Desde quando meus olhos te abordaram
um imenso sol no meu céu se abriu
o que era soluço virou gargalhada
e a tristeza, de mala e cuia, partiu.
Desde quando meus olhos te furtaram
um outro mundo em mim se formou
o que era córrego virou praia
e todo o sal do universo me temperou.
Desde quando teu abraço me envolveu
fiz de mim mesmo o meu próprio apogeu.

Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Marlos Degani, Nova Iguaçu/RJ, é jornalista. Lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2006 e que conta com a apresentação do poeta Ivan Junqueira, imortal da Academia Brasileira de Letras, falecido em 2014. Em setembro/14 lançou o segundo volume de poemas chamado INTERNADO, também pelo formato e-book, disponível nas melhores livrarias virtuais do planeta. Em 2021, pela Editora Patuá, lançou o seu terceiro volume, chamado UNIPLURAL. Participa como poeta convidado da edição número 104 da Revista Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras, lançada em janeiro/21, ao lado de grandes nomes da literatura brasileira.