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sábado, 17 de agosto de 2013

TRÁFEGOS



A tarde jamais se basta...
É tal como o poema:
nunca é; sempre está
no centro da ampulheta.

Quem poderia, poeta,
saber de todas as cores
que vêm desta aquarela
mameluca quase roxa?

O vapor deste cenário
conecta os horizontes
do pincel e da palavra:
duas pistas, uma ponte.

E a imensidão rasga
a folha do alfarrábio.
Nem o céu, nem o poema
pertencem ao teu esquema.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

SOBRE A TARDE VELOZ



Agora o céu se faz todo ocre

naquele instante em que a tarde

entoa o ponto (o que invoca)

de outro Rei que será majestade


do reino do breu que se aproxima

veloz, entretanto, suavemente

e que trafega entre um matiz

laranja travestido de magenta,


coisa de carmim ou de rosas múltiplos,

quase inertes nas rochas das nuvens.

E de repente tudo se resume

numa fenda escarlate e única.


E o dia sucumbe ao ocaso

da fresta: a noite fecha a casa.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

NATIMORTO



Não há condições. Hoje pulsa algo mais urgente
Do que a sandice de qualquer métrica. Não hoje.
Não agora que a volúpia fremente da sua presença
Reverbera decidida por entre os vazios do meu corpo

E adere ao plasma da minha alma: não é somente a carne
Que deseja a sua majestade e tudo em mim exige você,
Pedaço por pedaço, segredo por segredo, anseio por anseio...
E quem mais poderia trazer do meu coração descompassado

Os ecos da única palavra que, enfim, sobrou no dicionário?
Meu verso se derrete e escorre nos contornos do seu desenho
Tão nítido e solto à minha volta feito um sonho acordado
Entre os intervalos do dia, cada vez mais raros e sedentos.

O que pode ser mais asfixiante? O seu feromônio que vem
Num vento quente e veloz, mesmo distante? Ou que esta urgência,
Quando o sol entra em cena, vira fuligem que sobe e se espalha
Pelo espaço faminto na boca do buraco negro da realidade?

quarta-feira, 19 de junho de 2013

TIRANIA



E deu a nona hora

quando a madrugada

veste a sua capa

e encerra a cota

 

dos anjos que te guardam:

é a vez do Diabo

e dos ferros das hordas

em brasas sulfurosas

 

que separam a alma

da falácia do corpo

e o que era sonho,

agora, é fantasma,

 

é sombra que delata

a densa maquiagem

que em toda fracassa...

E frágil foi a máscara

 

e forte o desastre

do pior que ocorre

a dor que nem a morte

ou mesmo o Crispado

 

podem, porque é dela

a voz, a majestade

da noite que governa

o breu desta saudade.

terça-feira, 11 de junho de 2013

SOB MEDIDA



A dor da tua partida
elevou o que em mim
de fato me justifica:
não há um outro caminho

que não faça a passagem
pelo breu do labirinto
que faz do fim, infinito
e da certeza, miragem.

Nada pode ser mais pérfido,
mais cortante e mais célere
do que esta insistente
comichão, esta enchente

corrosiva, este lago
misto de mel e de ácido
e de Deus e do Diabo
e das auroras que nascem

entre brechas do ocaso.
E o dia se mistura
e com a noite escura
reinventa o espaço;

é quando o universo,
tudo, todo, vem e veste
os bordos da tua pele:
o côncavo no convexo.

sábado, 8 de junho de 2013

PERPÉTUA



Os dias são seus; todos; suntuosos;
e não há um que caiba no meu plano,
o que restou depois do terremoto
do seu adeus mudo, mas que emana

o tremor do silêncio – travestido,
feito um rio por entre os dedos;
feito quase uma morte morrida
e seu nada, veloz, sem meio-termo.

Sob a terra que ainda se abre,
surgem penhascos que me escorregam
para o infinito do inferno
− o reino de uma paz ao contrário,

tirana, que cassa o meu mandato:
alma e corpo jogados no mato.

sábado, 25 de maio de 2013

FABULOSA



Até parece que persigo
o que a mim é proibido...
Não fosse pouco o poema
há algo mais que me algema:

a tua ourivesaria
tão rara e que equilibra
o menino e a menina
que, opostos, se harmonizam

desde o sangue que trafega
(nas teias dos ocos das veias)
à fluência de escanteio
dos teus flancos na minha febre.

O céu bordou o teu vestido
com o cetim do infinito. 

terça-feira, 21 de maio de 2013

UBÍQUO



O poeta não carece ─ feito o clichê da tua sentença ─
de desequilibrar-se em seus próprios e cálidos passos
nem depende, por desimportantes, dos erros crassos
já que pouco ensinam sem a lição da rara clarividência

que vislumbra, abriga e aceita uma essencial submissão
─ não aquela cega, de joelhos, curvada e perdida
dos fracos, dos crentes depositários, dos milagristas,
dos que vestem a fé das esquinas e clamam por salvação.

Teu decreto, em majestosos versos, defende a tese
de que a reflexão desse poeta se resume num amplo nada,
num vazio hermético onde ele é bolha e resplandece
em elucubrações cíclicas, demiúrgicas, alucinadas;

nele, reza ainda, um improvável e ácido entendimento
sobre as batalhas que ele trava na solidão das madrugadas,
postas na angústia veemente ─ revertida em fomento ─
que trafega na via onde nem tudo precisa de linha de chegada.

Ateia a chama poderosa da coragem e da realidade
no elo desse cadeado de titânio que tranca as cercas
léxicas do teu cômodo e já explorado hectare,
alça um novo olhar no alvo e na veia das veredas

infinitas do poema, da sua dimensão aberta,
do seu arcabouço indomável, dos seus deltas,
dos caminhos que te convidam ao mistério
de querer sabê-lo sem feri-lo com a tua flecha.

Não posso condenar-te por recusar uma busca
que não tem fim e que só oferece a derrota
inegociável, dura, carrasca, insana, crua,
feito o riso pálido de uma incompreendida anedota

que estoca a tua cabeça e teimoso te cobra
a solução, a raiz, o xis que fugiu pela porta
e que te deixa angustiado, preso, subtraído
quando nenhum copo te sacia ou te acalma o juízo.

 As dores e os tremores desta guerra suicida,
a qual alberguei na alma, sem nenhuma saída,
não compartilha palavras, mas contém charadas
que se camuflam nas interseções dos mapas,

como a dizer-me ─ no dialeto das encruzilhadas ─
por meio dos uivos dos ventos e do gelo das nevascas,
para que eu quebre os meus espelhos em pedaços
e imerso no sangue jorrado e refletido nos cacos

eu, possa, enfim, confessar vencido, sereno e resignado
que o poema não existe mas está em todos os espaços
e quando o poeta segue com perseverança o seu rastro,
repete a sua única verdade nesse mar salgado de estilhaços:

“Na bissetriz onde não o assisto, mas somente ao cansaço,
é ali mesmo que, pobre diabo, eu me ressuscito e me acho.”

quinta-feira, 16 de maio de 2013

METÁSTASE




A cada dia que passa
o horror da tua falta
corcoveia no inferno
oco onde não há eco.

E de que serve a alma
se é o corpo que pede
a compressa delicada
do calor da tua pele?

Na clausura deste vácuo
a morte não é unguento
porque não há passamento
ou de Deus ou do Diabo

que preencha o buraco
negro e esfomeado
da carcoma da saudade
este coma, esta carne

 estrangeira, infiltrada
 que se torna majestade
 e decreta que a vida
  mora na tua metade.

terça-feira, 14 de maio de 2013

ALMISCARADA



A velocidade das horas
é incapaz e não suporta
o odor teimoso e amplo
que predomina nos meus flancos

feito se este teu perfume
fosse qual uma tatuagem
de aromas que me invadem
e me atiçam... Que seduzem

o corpo de pelos em riste
e de pupilas dilatadas
pois dos meus sonhos és a fada
e tudo o mais que existe.

Te farejo entre espasmos:
são teus todos os meus pedaços.

sábado, 4 de maio de 2013

FEITORA


Teimo na lembrança do teu sorriso,
esta que é tirana, invasiva,
esta, maior do que o infinito,
e, vil, faz das auroras, inimigas

luminosas que ferem o meu breu
quando expõem nos córregos dos becos
as palafitas desta minha alma
sobre o esgoto da tua falta.

O eco do teu gozo afobado
ressoa entre vísceras e poros
e eriça meus pelos; meu cajado...
Em riste que fareja o teu rastro.

Esta saudade é feito senzala
e tua escassez, as chibatadas.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

PRESENÇA


Agora sou encantamento,
todo, por dentro e por fora
feito se fosse uma troca,
um escambo de mil desejos

que fez do dia teu escravo
(tudo em mim tem o teu nome
um misto de febre e fome)
e do caminho um atalho.

É tua a boca que chama
o poeta, este, em chamas.

sábado, 6 de abril de 2013

PORQUE NÃO É PRECISO


Resolvi escapar do calabouço
escuro de todos os meus porquês,
mas ele sempre estará exposto
na marca do seu ferro cor de breu.

Sem demora logo veio a brisa
e desdenhei de saber o motivo
dela; não gritei por nenhum sentido:
defini que era indefinida.

Pude, então, descansar da tortura
vã de achar uma nomenclatura
que pudesse traduzir o teu beijo
(mais doce do que o manjar dos deuses).

Nos vazios o nada se desloca:
sem pergunta, pode haver resposta.

Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Marlos Degani, Nova Iguaçu/RJ, é jornalista. Lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2006 e que conta com a apresentação do poeta Ivan Junqueira, imortal da Academia Brasileira de Letras, falecido em 2014. Em setembro/14 lançou o segundo volume de poemas chamado INTERNADO, também pelo formato e-book, disponível nas melhores livrarias virtuais do planeta. Em 2021, pela Editora Patuá, lançou o seu terceiro volume, chamado UNIPLURAL. Participa como poeta convidado da edição número 104 da Revista Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras, lançada em janeiro/21, ao lado de grandes nomes da literatura brasileira.