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sábado, 24 de agosto de 2013

VIAGENS




E bem maior do que muitas vontades
é o desejo, um que te aquece
inteiro; dos miolos às espadas
de pelos que brotam da tua pele.
E um latifúndio de arrepios
imediatamente se instala
feito se fosse o último pico
no calo da veia do viciado
− eu, o tremor; você, a heroína.
E só uma dose sua não basta
pois uivos e longos são os gemidos
e azul cobalto a madrugada.
E só da sua boca é que fumo
o tabaco do amor mais profundo.

       

sábado, 17 de agosto de 2013

TRÁFEGOS



A tarde jamais se basta...
É tal como o poema:
nunca é; sempre está
no centro da ampulheta.

Quem poderia, poeta,
saber de todas as cores
que vêm desta aquarela
mameluca quase roxa?

O vapor deste cenário
conecta os horizontes
do pincel e da palavra:
duas pistas, uma ponte.

E a imensidão rasga
a folha do alfarrábio.
Nem o céu, nem o poema
pertencem ao teu esquema.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

SOBRE A TARDE VELOZ



Agora o céu se faz todo ocre

naquele instante em que a tarde

entoa o ponto (o que invoca)

de outro Rei que será majestade


do reino do breu que se aproxima

veloz, entretanto, suavemente

e que trafega entre um matiz

laranja travestido de magenta,


coisa de carmim ou de rosas múltiplos,

quase inertes nas rochas das nuvens.

E de repente tudo se resume

numa fenda escarlate e única.


E o dia sucumbe ao ocaso

da fresta: a noite fecha a casa.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

NATIMORTO



Não há condições. Hoje pulsa algo mais urgente
Do que a sandice de qualquer métrica. Não hoje.
Não agora que a volúpia fremente da sua presença
Reverbera decidida por entre os vazios do meu corpo

E adere ao plasma da minha alma: não é somente a carne
Que deseja a sua majestade e tudo em mim exige você,
Pedaço por pedaço, segredo por segredo, anseio por anseio...
E quem mais poderia trazer do meu coração descompassado

Os ecos da única palavra que, enfim, sobrou no dicionário?
Meu verso se derrete e escorre nos contornos do seu desenho
Tão nítido e solto à minha volta feito um sonho acordado
Entre os intervalos do dia, cada vez mais raros e sedentos.

O que pode ser mais asfixiante? O seu feromônio que vem
Num vento quente e veloz, mesmo distante? Ou que esta urgência,
Quando o sol entra em cena, vira fuligem que sobe e se espalha
Pelo espaço faminto na boca do buraco negro da realidade?

quarta-feira, 19 de junho de 2013

TIRANIA



E deu a nona hora

quando a madrugada

veste a sua capa

e encerra a cota

 

dos anjos que te guardam:

é a vez do Diabo

e dos ferros das hordas

em brasas sulfurosas

 

que separam a alma

da falácia do corpo

e o que era sonho,

agora, é fantasma,

 

é sombra que delata

a densa maquiagem

que em toda fracassa...

E frágil foi a máscara

 

e forte o desastre

do pior que ocorre

a dor que nem a morte

ou mesmo o Crispado

 

podem, porque é dela

a voz, a majestade

da noite que governa

o breu desta saudade.

terça-feira, 11 de junho de 2013

SOB MEDIDA



A dor da tua partida
elevou o que em mim
de fato me justifica:
não há um outro caminho

que não faça a passagem
pelo breu do labirinto
que faz do fim, infinito
e da certeza, miragem.

Nada pode ser mais pérfido,
mais cortante e mais célere
do que esta insistente
comichão, esta enchente

corrosiva, este lago
misto de mel e de ácido
e de Deus e do Diabo
e das auroras que nascem

entre brechas do ocaso.
E o dia se mistura
e com a noite escura
reinventa o espaço;

é quando o universo,
tudo, todo, vem e veste
os bordos da tua pele:
o côncavo no convexo.

sábado, 8 de junho de 2013

PERPÉTUA



Os dias são seus; todos; suntuosos;
e não há um que caiba no meu plano,
o que restou depois do terremoto
do seu adeus mudo, mas que emana

o tremor do silêncio – travestido,
feito um rio por entre os dedos;
feito quase uma morte morrida
e seu nada, veloz, sem meio-termo.

Sob a terra que ainda se abre,
surgem penhascos que me escorregam
para o infinito do inferno
− o reino de uma paz ao contrário,

tirana, que cassa o meu mandato:
alma e corpo jogados no mato.

Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Marlos Degani, Nova Iguaçu/RJ, é jornalista. Lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2006 e que conta com a apresentação do poeta Ivan Junqueira, imortal da Academia Brasileira de Letras, falecido em 2014. Em setembro/14 lançou o segundo volume de poemas chamado INTERNADO, também pelo formato e-book, disponível nas melhores livrarias virtuais do planeta. Em 2021, pela Editora Patuá, lançou o seu terceiro volume, chamado UNIPLURAL. Participa como poeta convidado da edição número 104 da Revista Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras, lançada em janeiro/21, ao lado de grandes nomes da literatura brasileira.