Páginas

terça-feira, 26 de agosto de 2014

SAL



O amor que trago dentro do peito,
vai apenas para um endereço:
o espaço sideral dos teus beijos,
alma e corpo; o cosmo perfeito?

Há um amor maior que o amor,
pronto para negar o nó do verso
do qual se apropria o poeta
com o seu varal farpado de dor?

E tem nome isso que não tem nome?
Isso que me estilhaça o tempo
e o pulveriza entre a noite
eterna dos confins do firmamento?

O amor que trago dentro do peito
só pode ser teu, senão, nada feito.


RAJADA


É uma sina maldita
da vida, esta mania
rara de ver-te mais nítida
de fora da tua mira
neste terreno longínquo
sem metro para medi-lo
sem eco a ser ouvido
sem fim e sem infinito?
Teu portador, uma brisa
temperada e alquímica
que doma o ar, esquina
a esquina. E acima
e abaixo e crescida
espalha um alarido
motivado e movido
pelo teu perfume cítrico
mel ácido destemido
que meu corpo contorcido
inala feito um vício
poderoso e ubíquo
pelos sete orifícios
do rosto (um quase rio
quase cheio do vazio
afogado do meu cio)

que anseia a morfina
da tua paz tensa. Lívida.




segunda-feira, 18 de agosto de 2014

TRÊS COLÓQUIOS DO AINDA


AINDA

Canto I

E o tarde era noite
(cumprida na alta febre
deste lhe querer que ferve
nas vielas do meu corpo
e no lençol que aperto
molhado contra a cãibra
aguda entre as vértebras
que se contorcem em chamas),

agora tudo é cedo,
menos pro mel do seu beijo.

 NÃO

Canto II

(nunca passará do não)
Tão frágil esta razão
concreta (concreto treme)
e o grafite vermelho
pichado como aviso
na portinhola da cerca
que cerca o seu alqueire
onde não me quer bem-vindo,

mas o meu sim não é duro
e blefo não pro seu mundo.


 AINDA NÃO
                 Inspirado em Eu Queria Ter Uma Bomba, canção de Cazuza.

 Canto III

Quando você sai de perto
eu penso em suicídio
(pois fiz das horas, ofício
on line do dialeto
sedutor da sua alma
quente, deslubrificada
que exibe resolvida
contra isso e aquilo),

eu penso em homicídio,
mas no fundo eu nem ligo.


sexta-feira, 15 de agosto de 2014

RAREFEITO


A lâmina gelada do inverno
não corta o oco das minhas veias
endurecidas, vazias e velhas
sem o sangue – a saudade bebeu-o –
que lhes justifica a existência.
E me convenço a sós: nesta terra
não noto algo que seja mais rente
ou mais frio do que o fio trépido
e o tridente fino do silêncio
da agulha quando, juntos, operam
a sutura que a tua ausência
de adamantium tornou urgente.
O vento cisma, e em vendavais,
varre minhas nuvens do nunca mais.



quarta-feira, 6 de agosto de 2014

VEIO


Foi mesmo o tal teu jeito equestre
qual, por fim, ascendeu este Sinhô
eroscrata dentro de mim lá longe,
mas que, divina, trouxeste pra perto
de um mero poeta, cuja flecha
fere a carne suja da palavra
a fim de farejar todas as brechas
e calar o ronco das tuas travas
ao murmúrio abafado das noites,
quando os contornos da maquiagem
espessa que usas atrás do rosto
escapam-te: é de vidro a máscara.
E sem que sequer pudesses notar,
navegaríamos. Nós. Num só mar.


FUNDO


Mais uma vez esta manhã
de inverno azul aberto
e deste vento frio, gélido
a percorrer minhas entranhas.

Mais uma vez a luz, o céu
pincelado leve de nuvens
a estender o seu perfume
‒ fragrância de aurora breve.

E a preguiça animada
do frescor vão e esquisito:
querer te amar e amar
até fundir o infinito.


terça-feira, 15 de julho de 2014

ENFIM





                                   Vai tudo em mim, enfim, se despedindo

                                            Ivan Junqueira in Vai Tudo em Mim

 

Tudo em mim vai ficando sem graça

(igualmente com o que me rodeia).

Natal? Ano Novo? Aniversário?

Tudo, enfim, perdeu a existência,

perdeu o sentido, perdeu o ar

e o que me resta é o poema

oculto e o verso de fumaça

− que viram pó quando o sol rebenta.

E tudo em mim vai se despedindo:

meus dentes, minha mente, meu sorriso

− tudo roda velozmente nos dias,

nos anos que se passaram, no rio

desta vida que caminha sem rota,

das horas que se vão e que não voltam.
 
 

 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

QUANDO FORES ME AMAR

     Sobre texto de Zack Magiezi



Quando fores me amar, faças nua.
Tires os diplomas, dês tua alma,
tires os cartões, as chaves do carro...
Tires tudo, pois não serás mais tua,
mas deste mundo que te emolduras
toda na silhueta do meu corpo,
dois em um: o pintor e a pintura.
Fundidos. Soldados. Ferro e fogo
até ao ponto onde só nos reste
a humanidade e uma prece
para ver se Deus faça infinita
esta fogueira que nos ilumina.
Nem mesmo a manhã brilha mais lívida
do que nossas línguas numa só língua.




MEL & FEL



Tua boca é abismo doce,
suicídio almiscarado,
um néctar qual fosse
a sobremesa do pecado

sorvido por deus e pelo diabo.

Tua ausência é poderosa ruína,
tortura aprisionada,
um breu que veloz assassina
o sol e irriga a pele orvalhada,

que é só saudade: esta navalha.


segunda-feira, 7 de julho de 2014

SIM E NÃO SEI


Já troquei
e destroquei
 o meu olhar
do teu alvo
e este foco
− o de agora
que as minhas
dilatadas retinas
mil vezes fotografam
seja na lembrança
ou no poema pirlimpimpim
seja na tua carne exata...
Tudo que há em mim
todo te despe: e me desaba.


sexta-feira, 13 de junho de 2014

SEM PIEDADE



Agora vou versar aos miseráveis

que se prendem no cipó do umbigo

às sementes mal plantadas que vagam

restritas às cercas do egoísmo

e às luzes opacas dos tapinhas

camaradas dos seus rasos comparsas

nas mesas bêbadas dos botequins

no falso brilhante da madrugada.

Agora vou versar aos idiotas

que julgam o mundo e as pessoas

e que tão somente o que importa

é o que de dentro deles ressoa

numa teimosa e cruel tortura:

a dor do não-ser. Nem coisa nenhuma.



quarta-feira, 11 de junho de 2014

OUTRA VEZ O VENTO


Foi este vento da manhã que trouxe
o perfume gelado do teu corpo,
um que me leva de volta ao ontem
e que me prende no teu horizonte
de onomatopeias delirantes
antes do depois e depois do antes;
foi este vento, pois tem teu sorriso
como emblema, que pôs alegria
na dor preta e branca dos meus dias
nesta escravidão que me domina.
Foi do vento o sabor da saliva
da tua boca (mel e ambrosia),
onde a minha alma ressuscita
e as flores nascem intumescidas.



sábado, 7 de junho de 2014

TATUAGENS




Morar no teu pensamento
é feito colher uma flor
num deserto sem fim.
Não importa se sim
não importa se não...
Este amor aqui ultrapassa
as respostas do homem:
e só há sins no meu horizonte,
porque, contigo, todos os ontens
são eternos. E gritam o teu nome.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

FOCO




Não vejo mais as ruas, os jardins,
nem o mar e tampouco as estrelas.
Não cheiro mais do olor das esquinas
e nas auroras não mato a sede
dos copos teimosos da madrugada;
o céu escureceu as minhas lentes
e eu mesmo me fiz entorpecente
no pó congelante da tua falta.
Assim, versos em versos rabiscados,
hachuro as maquetes desses dias,
duma fragílima engenharia
que desmorona quando o sol nasce.
Teu corpo é a única imagem
que persigo. Em todos os lugares.


quarta-feira, 4 de junho de 2014

MANHÃS DE OUTONO




São belas essas manhãs de outono
e o furta-cor de brancos do céu
prata, oliva e azul aberto
espalhados entre os horizontes...
Tem o vento: liso e temperado
que colhe os sonhos do pensamento
e traz o perfume almiscarado
do teu corpo no qual me alimento
desde a primeira fresta do dia
ao instante de ver-te consumida
na cama que fizemos de esquife
e de onde, salgada, ressuscitas
− em tons do teu outono infinito
quando a morte nasce num gemido.



Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Marlos Degani, Nova Iguaçu/RJ, é jornalista. Lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2006 e que conta com a apresentação do poeta Ivan Junqueira, imortal da Academia Brasileira de Letras, falecido em 2014. Em setembro/14 lançou o segundo volume de poemas chamado INTERNADO, também pelo formato e-book, disponível nas melhores livrarias virtuais do planeta. Em 2021, pela Editora Patuá, lançou o seu terceiro volume, chamado UNIPLURAL. Participa como poeta convidado da edição número 104 da Revista Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras, lançada em janeiro/21, ao lado de grandes nomes da literatura brasileira.