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quarta-feira, 4 de junho de 2014

MANHÃS DE OUTONO




São belas essas manhãs de outono
e o furta-cor de brancos do céu
prata, oliva e azul aberto
espalhados entre os horizontes...
Tem o vento: liso e temperado
que colhe os sonhos do pensamento
e traz o perfume almiscarado
do teu corpo no qual me alimento
desde a primeira fresta do dia
ao instante de ver-te consumida
na cama que fizemos de esquife
e de onde, salgada, ressuscitas
− em tons do teu outono infinito
quando a morte nasce num gemido.



quinta-feira, 29 de maio de 2014

NADA



Se já não bastasse esta saudade

ácida (a irromper as ilhargas,

uma, de escápula a escápula,

que reduz tempos na tua imagem

de sorriso generoso, mais doce

do que o mel mais doce desta Terra

e que, língua em língua, reverbera

meus ais tremidos pelos horizontes,

feito se meus desejos estivessem,

todos, ajoelhados numa prece

suada, misto de muito com pouco,

que os deuses fazem ouvidos moucos),

ainda preciso seguir... Tristonho,

pois não me deixam ter-te. Nem em sonho.
 
 
 

sábado, 24 de maio de 2014

ESPERA



Você pediu uma poesia

daquelas de outrora,

quando a paixão ardia

nos flancos insanos da aurora;

 

uma, talvez, jocosa,

repleta de ternura,

na paz fabulosa

da mútua mordedura.

 

Não faço mais versos

desnudos ou acabados,

não teço a harmonia

do que, um dia, foi intensa alegria.

 

Mas danço sua canção

no compasso de quem espera,

como sangue ao coração,

o inverno voltar a sorrir primavera.
 
 
 
 


 

domingo, 11 de maio de 2014

ORVALHO




Jamais pretendi te ensinar nada

e nem mostrar alguma novidade,

pois o paraíso, em ti, faz casa,

desde este teu olhar que me fala

fundo por todos meus poros, às curvas

peras e macias que te circundam.

Quero sim, e muito, e tão somente

irrigar, no teu jardim, a semente

escondida que anseia ser vida

em flor – linda – e provar do orvalho

úmido que te fará consumida,

plena, lambida e extenuada.

Quero sim desenhar na tua pele

um mar salgado de suor e febre.
 
 

quinta-feira, 17 de abril de 2014

MIRAGEM




Ainda bem que nunca esperei

salvação em nada e muito menos

nos versos fracassados que escrevo

na calada da noite e nos becos

escuros deste quarto inquieto

de onde as paredes reverberam

meus ruidosos silêncios secretos

feitos se fossem anzóis que me pescam

mesmo quando tudo o que me resta

é a empreitada sem recompensa

desses falsos quilates do poema

e do ocre amplo do seu deserto

vem um vento forte pela janela

mas não seca o mar na minha testa.
 
 
 

quinta-feira, 10 de abril de 2014

FEBRE



Enrolado em mim mesmo

te abraço pelos travesseiros...

Dos lençóis fiz tua boca

e da saudade minha navilouca.
 
 

VELAS



Você é a minha saída, a cachaça
de cabeça necessária da manhã
da tarde, da noite, da madrugada
esta potente gasolina que assanha

as engrenagens inquietas do meu corpo
e desmaio de cabeça quando o sangue todo
enche o meu pontiagudo e viril instrumento
que afiado eternizou seus ais naquele momento:

onde eu era um mastro e você era um vento.


sábado, 5 de abril de 2014

SINS




Foi no teu poema trinta e dois

− este que eu nunca escreveria

e que, fato, e muito, gostaria,

mas tudo que tens, eu jamais teria:

 

“Como Assim?” É assim que começas,

do começo deste balé de versos,

do calafrio quente, às avessas,

do último poro da minha pele

 

ao tutano dos ossos da costela,

entretanto, não há o que traduza

este ar rarefeito, esta nuvem,

um outro pedaço do universo

 

enquanto eu (ou) via, à deriva,

teu Lago dos Cisnes da poesia.
 
 
 

quarta-feira, 26 de março de 2014

UNS



A Castelano, pedra noventa.

 

Agora sim você deve saber:

é só meu o castelo de areia

que foge das margens e das espumas,

esta frágil e torta estrutura

 

camuflada em versos descartáveis.

O seu olhar me desvendou ligeiro

e trouxe o ouro: a amizade

que acordamos entre copos cheios

 

da imediata cumplicidade,

feito magia cinematográfica,

de duas almas que se encontraram

na bissetriz duma encruzilhada.

 

Não há nada maior: o meu orgulho

de sermos um (em dois) contra o mundo.
 
 
 

quarta-feira, 19 de março de 2014

ADEUS SEMPRE


      Sobre Adeus Para Sempre, poema-pérola de Sylvio Neto.
 
Adeus: sou sempre
até o istmo do caos
e jamais viro a cabeça
(mas olho o que há atrás).
Adeus, adeus:
sou sempre cais...


Um nocaute na víscera
sombria do nunca mais.



terça-feira, 11 de março de 2014

ÁGUA


     A Sandra, minha, ouvindo Sandra do Gilberto Gil. Inspirado em Lírio Aos Anjos de Nenê Altro.

É sim mesmo assim este amor

− todo teu – que eu carrego em mim:

puro, vero e, claro, versador...

O poeta não passa de um mímico

que tenta manipular o latim

tal – tolo – qual um – falso – Deus da vida.

Amor do tipo que atira lírios

aos anjos que colhem no teu jardim

o orvalho fresco deste orgasmo

que eclode forte dos mil buracos

da tua derme – mil leitos de rios

salgados lambidos por minha língua

a que sem o mel da tua saliva

e mais a alma secam: à cortiça.
 

domingo, 9 de março de 2014

SEM PALAVRA




Tem vez que eu abro um documento

− na tela de mil entretenimentos

a fim de teclar algum verso bêbado

que tenha caído no pensamento –

mas não digito nada: minimizo

o arquivo em branco, sem batismo

e sem alcunha que o justifique

− já evaporou o que não existe.

E, pois, mesmo mudo ali na barra

atrai o meu olhar e tripudia

sobre a minha falsa harmonia

que se foi veloz farejar o rastro

etílico daquele decassílabo

no meio do alambique dos fatos.


sábado, 8 de março de 2014

MISTÉRIO DO PLANETA



Pode ter vez que, dentro da gaiola

do poema, o poeta consegue

pelo menos esquivar-se dos golpes

diretos e indiretos do verso

por um tempo maior e que permite

− ao poema e também ao poeta –

a interseção do que não existe

e que basta para zerar a reza.

Tem vez que o poema dá a falsa

impressão de que aponta um norte...

Não: a pena é que está mais forte

ainda que não sirva para nada

(mesmo nesta hora que só nos resta

é [trazer] o fantasma da caverna).
 
 

quarta-feira, 5 de março de 2014

LASTRO

                                         A Sandra, ouro.

 Quando me ajoelhei aos teus pés

não o fiz somente pelo perdão

− o que de boca seca, coração

acelerado, feito uma prece,

e todo em frangalhos te pedi − ,

mas também para que, enfim, pudesses

notar o tanto que sou pequenino

de frente desta tua luz silvestre.

Sim... Foi grande o pavor que senti

quando vi o tamanho do estrago

que fiz: os teus olhos se apagaram!

E sem saber de nada te servi

de um único e último grito:

− Te amo. Até Deus fica bolado.
 
 

terça-feira, 4 de março de 2014

SENTENÇA

                

                                       Eu sou apenas um poeta

                                                              a quem Deus deu voz e verso.

 
                                                               Ivan Junqueira, em Prólogo.

 

 

                 Eu sou apenas um poeta

  que nem a morte quer por perto,

  porque tudo o que me resta

  é o vazio dos meus versos.

  Não conquistei prata ou paz

  na vida quando a palavra,

  em mim, se tornou majestade

  das auroras e dos ocasos,

  dos dias e das madrugadas

  que passo nesta fracassada

  maratona, a que insiste

  no fim do que é infinito,

  na posse do que não existe

  e no eco, um todo oco

  (o baú do ouro de tolo),

  rouco do poço do umbigo.

  É deveras sofisticada

   a armadilha do poema

   (e a sua inexistência     

   cabal, mas também diplomática):

   mesmo que ninguém tenha visto

   o seu rastro, ele precisa,

   pelo escriba, ser buscado,

   porém, e jamais, capturado 

   no colostro do guardanapo

   ou no exato exaspero

   geométrico das rosáceas,

   pois a miragem do presente

   é a dose entorpecente

   dentro da veia egoísta

   do poeta, que num só pico,

   dos fins, se torna dependente.

   E teimo nesta empreitada

   condenada, nestas maquetes

   que ruirão na alvorada,

   para tentar mover as peças

   − e do meu mestre vem a única

   voz que, se caso existisse

   (uma, nem rasa nem profunda),

    o poema me cantaria

    antes numa quase secura

    ríspida que cria atritos

    entre diversas estruturas...

    Aí é que tocam os sinos:

    a poesia é fugaz

    é feito se fosse um éter

    e sou um poeta de nada

    a quem Deus deu voz e verso.

  

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

AMANHÃS

                                                   Gota a gota o alambique

                                                      das horas se esvazia

                                               Ivan Junqueira, Vésperas
 

                       Ventos às ventas e a duna

                       − que compensou todo o déficit

                       de atenção que me impede

                       de dar o tempo da fritura

                       do óleo quente da palavra –

                       é poeira na mesa dura.

                       Pouco a pouco a penumbra

                       escapa e nem a fumaça

                       de pós, suores e cigarros

                       consegue mais atenuar

                       o que a aurora desvenda

                       − a maquiagem do poema
 
                       borrou os garranchos doídos

                       (e alguém daria ouvidos?)

                       e deixou agora o dia

                       e os barulhos desta vida

                       que se anima à medida

                        inversa da qual o poeta

                        só das horas se esvazia

                        e do vazio se completa.

                        E quando é tanto o nada

                        de que no nada se instala

                        ocorre o que muita reza

                        pediu para que não se desse:

                        as louças do café se mexem

                        e como se a mim dissessem

                        no dialeto dos ruídos

                        que de novo fui consumido

                         neste piloto automático

                         sem verso, sem ar, sem espólio

                         que não seja o do cansaço

                         da sudorese dos meus poros.

                         Cada segundo chicoteia

                         entre a neblina da sala

                         e parece que é dobrado

                         nestes ecos que me tonteiam

                         as vísceras e os relógios

                         que, enfim, não mais me norteiam.

                         Ficou este amanhã seco

                         e seu deserto sem ponteiros.
 
 
 

UMA

                                                                   A Sandra, estrela.

 Com os meus pés fincados na areia

da praia, não é céu o que eu vejo

ou tampouco sinto o sol salgado

− a pino – e toda a sua brasa,

porque o que me arde vem de dentro...

É a febre desta tua saudade

que, feito se fosse uma adaga,

perfura o cofre do pensamento,

afasta de mão, assopra o pó

da mesa e abre o documento:

a tua imagem é meu farol,

a nau, a vela, o mar e o vento

− e é também e muito mais que posso

a única dos versos que invento.
 
 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

INCOMPLETOS...



Há quem possa imaginar

um inusitado encontro

quando, da noite, a calada

ruge seu mais silencioso

 

e ensurdecedor estrondo:

os cochichos asfixiados

− os dum corpo em outro corpo −

de mil mortes ressuscitadas.

 

Há quem possa arquitetar

o poema e reunir

− entre versos de uma fábula −

o que não quer ser reunido,

 

o que não pode ser completo:

a carne e o alfabeto.


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

SOBRE DESASSOSSEGADOS




Nunca pude dizer não

aos planos de supetão

que resolvem toda vida

nesta branda euforia

 

− uma calma, mas nervosa –

da alma que mesmo lívida

faz um carnaval das horas:

meu samba no teu desfile.

 

O meu tempo é escravo

dos vãos do teu calendário.
 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

NEBLINA




 Não faço poemas

munido da crença

de me libertar

de alguma chaga...

Não daria certo

pois quando escrevo

a isca do verso

desce o poema

com os meus fantasmas

e juntos à mesa

bebem num só trago

a minha represa.

Depois vão embora.

E toda vertigem

voa na fuligem

do breu da aurora.
 
 

sábado, 28 de dezembro de 2013

AINDA QUERO II


Sobre “Não Quero Mais”, poema de Ted Marimba.

não quero mais
muitas coisas
pois só o poema

não sei, é anfetamina
de tanto verso
que disseram
que eu cato

no dicionário. Pensei
em minhas importâncias
nas desimportâncias
no sonho do infinito

decidi deixar
a velocidade das arquiteturas
entrar de vez no ritmo das nuvens


posso ver zil telas
esboçadas no dia
e
acendo a vela
no olho da ventania.

 

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

PROGRESSIVA



É tua a imagem que me teima
entre os escombros das alamedas
desasfaltadas dos meus pensamentos,
tão proibidos, que se reinventam
em dízimas de nãos - as periódicas -
desta matemática infinita
sem razão exata, pois sibilina
é a tua teia que me enforca.
E como escapar destes fantasmas
multiplicados que vêm e me cortam
fundo, de escápula a escápula,
mas ao mesmo tempo me revigoram?
É tua a imagem que me queima
e tua a alma que me algema.

PEDIDOS


Peço que não me mate
junto desta orquestra
que pulsa embalada
a fim do tom mais grave

dos confins mais longínquos
da minha alma fria,
de éter, bailarina,
que no ar rodopia

sobre o bafo quente
de versos decadentes
que faço e desfaço,
que bebo e engasgo

nas frestas da aurora
e no fio do ocaso.
Peço que não me corte
a vida... Nem a morte.



sábado, 21 de dezembro de 2013

INDEPENDÊNCIA OU MORTE


Os seus nãos não são nus são sins vestidos

da paúra pálida dos desejos

que você prefere assim detidos

na sombra da sua cela de medos

onde as vozes que julgam seus passos

ainda legislam na sua vida

os princípios crus da hipocrisia:

faça o que digo; não o que faço.

E enquanto você não der um golpe

no seu próprio estado de espírito

e que liberte todo o arbítrio

acumulado, nunca será forte.

O dia a quer ida, quer aposta,

mas que saiba o caminho de volta.
 
 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

DIA DE DOMINGO




Aurora ainda espreguiçava

quando teu olhar, em mim, se lançava

feito se eu fosse a tua presa

e tu a majestade das tigresas

 

nesta mágica que se instalou...

O que era caça se transformou

em caçador... Toda a minha lança

armada nas curvas das tuas ancas.

 

E nem a ressaca do meio-dia

− quando o sol a pino nos condena –

desfez o encanto; não foi antídoto...

Restou uma só palavra: obscena...

 

E aquela derradeira imagem:

minha carne dentro da tua carne.


 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

VÁCUO


 
Usas a fábula

como apoio

deste ataque

vil e absorto

 

(feito se fosses

rei do açoite)

que desferiste,

dedo em riste,

 

bem no poeta

já que pareces

que tens na pele

a chave mestra

 

dos cadeados

de sua alma

e da sentença

que o condena

 

− rito sumário −

ao breu do beco

onde os falsos

se movimentam.

 

Não há surpresa

todas as cartas

estão na mesa

sob um opaco

 

conto de fadas

onde poemas

− meras ciladas −

fingem presença

 

já que fingida

é tua vida

que acha isso

mas é aquilo

 

− morto é vivo

vivo é morto.

O teu arroto

é teu abismo.

Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Marlos Degani, Nova Iguaçu/RJ, é jornalista. Lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2006 e que conta com a apresentação do poeta Ivan Junqueira, imortal da Academia Brasileira de Letras, falecido em 2014. Em setembro/14 lançou o segundo volume de poemas chamado INTERNADO, também pelo formato e-book, disponível nas melhores livrarias virtuais do planeta. Em 2021, pela Editora Patuá, lançou o seu terceiro volume, chamado UNIPLURAL. Participa como poeta convidado da edição número 104 da Revista Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras, lançada em janeiro/21, ao lado de grandes nomes da literatura brasileira.