sexta-feira, 13 de junho de 2014
SEM PIEDADE
Agora vou versar aos miseráveis
que se prendem no cipó do umbigo
às sementes mal plantadas que vagam
restritas às cercas do egoísmo
e às luzes opacas dos tapinhas
camaradas dos seus rasos comparsas
nas mesas bêbadas dos botequins
no falso brilhante da madrugada.
Agora vou versar aos idiotas
que julgam o mundo e as pessoas
e que tão somente o que importa
é o que de dentro deles ressoa
numa teimosa e cruel tortura:
a dor do não-ser. Nem coisa nenhuma.
quarta-feira, 11 de junho de 2014
OUTRA VEZ O VENTO
Foi este vento da manhã que trouxe
o perfume gelado do teu corpo,
um que me leva de volta ao ontem
e que me prende no teu horizonte
de onomatopeias delirantes
antes do depois e depois do antes;
foi este vento, pois tem teu sorriso
como emblema, que pôs alegria
na dor preta e branca dos meus dias
nesta escravidão que me domina.
Foi do vento o sabor da saliva
da tua boca (mel e ambrosia),
onde a minha alma ressuscita
e as flores nascem intumescidas.
sábado, 7 de junho de 2014
TATUAGENS
Morar no teu pensamento
é feito colher uma flor
num deserto sem fim.
Não importa se sim
não importa se não...
Este amor aqui ultrapassa
as respostas do homem:
e só há sins no meu horizonte,
porque, contigo, todos os ontens
são eternos. E gritam o teu nome.
sexta-feira, 6 de junho de 2014
FOCO
Não vejo mais as ruas, os jardins,
nem o mar e tampouco as estrelas.
Não cheiro mais do olor das esquinas
e nas auroras não mato a sede
dos copos teimosos da madrugada;
o céu escureceu as minhas lentes
e eu mesmo me fiz entorpecente
no pó congelante da tua falta.
Assim, versos em versos rabiscados,
hachuro as maquetes desses dias,
duma fragílima engenharia
que desmorona quando o sol nasce.
Teu corpo é a única imagem
que persigo. Em todos os lugares.
quarta-feira, 4 de junho de 2014
MANHÃS DE OUTONO
São belas essas manhãs de outono
e o furta-cor de brancos do céu
prata, oliva e azul aberto
espalhados entre os horizontes...
Tem o vento: liso e temperado
que colhe os sonhos do pensamento
e traz o perfume almiscarado
do teu corpo no qual me alimento
desde a primeira fresta do dia
ao instante de ver-te consumida
na cama que fizemos de esquife
e de onde, salgada, ressuscitas
− em tons do teu outono infinito
quando a morte nasce num gemido.
quinta-feira, 29 de maio de 2014
NADA
Se já não bastasse esta saudade
ácida (a irromper as ilhargas,
uma, de escápula a escápula,
que reduz tempos na tua imagem
de sorriso generoso, mais doce
do que o mel mais doce desta Terra
e que, língua em língua, reverbera
meus ais tremidos pelos horizontes,
feito se meus desejos estivessem,
todos, ajoelhados numa prece
suada, misto de muito com pouco,
que os deuses fazem ouvidos moucos),
ainda preciso seguir... Tristonho,
pois não me deixam ter-te. Nem em sonho.
sábado, 24 de maio de 2014
ESPERA
Você pediu uma poesia
daquelas de outrora,
quando a paixão ardia
nos flancos insanos da aurora;
uma, talvez, jocosa,
repleta de ternura,
na paz fabulosa
da mútua mordedura.
Não faço mais versos
desnudos ou acabados,
não teço a harmonia
do que, um dia, foi intensa alegria.
Mas danço sua canção
no compasso de quem espera,
como sangue ao coração,
o inverno voltar a sorrir primavera.
domingo, 11 de maio de 2014
ORVALHO
Jamais pretendi te ensinar nada
e nem mostrar alguma novidade,
pois o paraíso, em ti, faz casa,
desde este teu olhar que me fala
fundo por todos meus poros, às curvas
peras e macias que te circundam.
Quero sim, e muito, e tão somente
irrigar, no teu jardim, a semente
escondida que anseia ser vida
em flor – linda – e provar do orvalho
úmido que te fará consumida,
plena, lambida e extenuada.
Quero sim desenhar na tua pele
um mar salgado de suor e febre.
quinta-feira, 17 de abril de 2014
MIRAGEM
Ainda bem que nunca esperei
salvação em nada e muito menos
nos versos fracassados que escrevo
na calada da noite e nos becos
escuros deste quarto inquieto
de onde as paredes reverberam
meus ruidosos silêncios secretos
feitos se fossem anzóis que me pescam
mesmo quando tudo o que me resta
é a empreitada sem recompensa
desses falsos quilates do poema
e do ocre amplo do seu deserto
vem um vento forte pela janela
mas não seca o mar na minha testa.
quinta-feira, 10 de abril de 2014
FEBRE
Enrolado em mim mesmo
te abraço pelos travesseiros...
Dos lençóis fiz tua boca
e da saudade minha navilouca.
VELAS
Você é a
minha saída, a cachaça
de cabeça necessária da manhã
da tarde, da noite, da madrugada
esta potente gasolina que assanha
as engrenagens inquietas do meu corpo
e desmaio de cabeça quando o sangue todo
enche o meu pontiagudo e viril instrumento
que afiado eternizou seus ais naquele momento:
onde eu era um mastro e você era um vento.
de cabeça necessária da manhã
da tarde, da noite, da madrugada
esta potente gasolina que assanha
as engrenagens inquietas do meu corpo
e desmaio de cabeça quando o sangue todo
enche o meu pontiagudo e viril instrumento
que afiado eternizou seus ais naquele momento:
onde eu era um mastro e você era um vento.
sábado, 5 de abril de 2014
SINS
Foi no teu poema trinta e dois
− este que eu nunca escreveria
e que, fato, e muito, gostaria,
mas tudo que tens, eu jamais teria:
“Como Assim?” É assim que começas,
do começo deste balé de versos,
do calafrio quente, às avessas,
do último poro da minha pele
ao tutano dos ossos da costela,
entretanto, não há o que traduza
este ar rarefeito, esta nuvem,
um outro pedaço do universo
enquanto eu (ou) via, à deriva,
teu Lago dos Cisnes da poesia.
quarta-feira, 26 de março de 2014
UNS
A Castelano, pedra noventa.
Agora sim você deve saber:
é só meu o castelo de areia
que foge das margens e das espumas,
esta frágil e torta estrutura
camuflada em versos descartáveis.
O seu olhar me desvendou ligeiro
e trouxe o ouro: a amizade
que acordamos entre copos cheios
da imediata cumplicidade,
feito magia cinematográfica,
de duas almas que se encontraram
na bissetriz duma encruzilhada.
Não há nada maior: o meu orgulho
de sermos um (em dois) contra o mundo.
quarta-feira, 19 de março de 2014
ADEUS SEMPRE
Sobre
Adeus Para Sempre, poema-pérola de Sylvio Neto.
Adeus: sou sempre
até o istmo do caos
e jamais viro a cabeça
(mas olho o que há atrás).
Adeus, adeus:até o istmo do caos
e jamais viro a cabeça
(mas olho o que há atrás).
sou sempre cais...
Um nocaute na víscera
sombria do nunca mais.
terça-feira, 11 de março de 2014
ÁGUA
A Sandra, minha, ouvindo Sandra do
Gilberto Gil. Inspirado em Lírio Aos Anjos de Nenê Altro.
É sim mesmo assim este amor
− todo teu – que eu carrego em mim:
puro, vero e, claro, versador...
O poeta não passa de um mímico
que tenta manipular o latim
tal – tolo – qual um – falso – Deus da vida.
Amor do tipo que atira lírios
aos anjos que colhem no teu jardim
o orvalho fresco deste orgasmo
que eclode forte dos mil buracos
da tua derme – mil leitos de rios
salgados lambidos por minha língua
a que sem o mel da tua saliva
e mais a alma secam: à cortiça.
domingo, 9 de março de 2014
SEM PALAVRA
Tem vez que eu abro um documento
− na tela de mil entretenimentos
a fim de teclar algum verso bêbado
que tenha caído no pensamento –
mas não digito nada: minimizo
o arquivo em branco, sem batismo
e sem alcunha que o justifique
− já evaporou o que não existe.
E, pois, mesmo mudo ali na barra
atrai o meu olhar e tripudia
sobre a minha falsa harmonia
que se foi veloz farejar o rastro
etílico daquele decassílabo
no meio do alambique dos fatos.
sábado, 8 de março de 2014
MISTÉRIO DO PLANETA
Pode ter vez que, dentro da gaiola
do poema, o poeta consegue
pelo menos esquivar-se dos golpes
diretos e indiretos do verso
por um tempo maior e que permite
− ao poema e também ao poeta –
a interseção do que não existe
e que basta para zerar a reza.
Tem vez que o poema dá a falsa
impressão de que aponta um norte...
Não: a pena é que está mais forte
ainda que não sirva para nada
(mesmo nesta hora que só nos resta
é [trazer] o fantasma da caverna).
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Marlos Degani
- MARLOS DEGANI
- Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
- Marlos Degani, Nova Iguaçu/RJ, é jornalista. Lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2006 e que conta com a apresentação do poeta Ivan Junqueira, imortal da Academia Brasileira de Letras, falecido em 2014. Em setembro/14 lançou o segundo volume de poemas chamado INTERNADO, também pelo formato e-book, disponível nas melhores livrarias virtuais do planeta. Em 2021, pela Editora Patuá, lançou o seu terceiro volume, chamado UNIPLURAL. Participa como poeta convidado da edição número 104 da Revista Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras, lançada em janeiro/21, ao lado de grandes nomes da literatura brasileira.