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quinta-feira, 16 de maio de 2013

METÁSTASE




A cada dia que passa
o horror da tua falta
corcoveia no inferno
oco onde não há eco.

E de que serve a alma
se é o corpo que pede
a compressa delicada
do calor da tua pele?

Na clausura deste vácuo
a morte não é unguento
porque não há passamento
ou de Deus ou do Diabo

que preencha o buraco
negro e esfomeado
da carcoma da saudade
este coma, esta carne

 estrangeira, infiltrada
 que se torna majestade
 e decreta que a vida
  mora na tua metade.

terça-feira, 14 de maio de 2013

ALMISCARADA



A velocidade das horas
é incapaz e não suporta
o odor teimoso e amplo
que predomina nos meus flancos

feito se este teu perfume
fosse qual uma tatuagem
de aromas que me invadem
e me atiçam... Que seduzem

o corpo de pelos em riste
e de pupilas dilatadas
pois dos meus sonhos és a fada
e tudo o mais que existe.

Te farejo entre espasmos:
são teus todos os meus pedaços.

sábado, 4 de maio de 2013

FEITORA


Teimo na lembrança do teu sorriso,
esta que é tirana, invasiva,
esta, maior do que o infinito,
e, vil, faz das auroras, inimigas

luminosas que ferem o meu breu
quando expõem nos córregos dos becos
as palafitas desta minha alma
sobre o esgoto da tua falta.

O eco do teu gozo afobado
ressoa entre vísceras e poros
e eriça meus pelos; meu cajado...
Em riste que fareja o teu rastro.

Esta saudade é feito senzala
e tua escassez, as chibatadas.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

PRESENÇA


Agora sou encantamento,
todo, por dentro e por fora
feito se fosse uma troca,
um escambo de mil desejos

que fez do dia teu escravo
(tudo em mim tem o teu nome
um misto de febre e fome)
e do caminho um atalho.

É tua a boca que chama
o poeta, este, em chamas.

sábado, 6 de abril de 2013

PORQUE NÃO É PRECISO


Resolvi escapar do calabouço
escuro de todos os meus porquês,
mas ele sempre estará exposto
na marca do seu ferro cor de breu.

Sem demora logo veio a brisa
e desdenhei de saber o motivo
dela; não gritei por nenhum sentido:
defini que era indefinida.

Pude, então, descansar da tortura
vã de achar uma nomenclatura
que pudesse traduzir o teu beijo
(mais doce do que o manjar dos deuses).

Nos vazios o nada se desloca:
sem pergunta, pode haver resposta.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

BLUE LABEL


Há muito tempo que pelas meus pelos
e viro, ao ver-te, homem-ouriço
nesta armadura de calafrios
que surge quando sinto o teu cheiro

feito cão que ladra ao meio-dia
e fareja todos teus feromônios
e que tem a chave da escotilha
onde aprisionas teus demônios.

Não vejo as rugas da tua pele,
pois os aromas, quando envelhecem,
têm autoridade sobre os ventos
que a ti transportam ventas à dentro.

Entre os teus delicados perfumes
o amor é leve, mas tem volume. 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

BRAVO



Parece que o amor insiste
Em ser somente teu e teu
E solto
Não me larga
Mesmo com a bateria fraca
Desses dias de diferentes mapas
Entre a minha e a tua estrada
Deve saber que a chama
Que nasceu além da cama
Resiste à tempestade
E sua luz ainda nos invade.
Parece que o amor insiste
Pois quando faltas, tudo é triste.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

ESPELHO?


                 
                  I

Podes até achar vil e soberbo
fazer do meu humílimo soneto
um estandarte, resumo e ápice
de toda esta contrariedade

que a tua estúpida e bífida
língua, que de tão azeda, amarga
à repulsa, além da ojeriza,
a maresia das tuas palavras

− cardume flutuante de falácias
modorrentas que apenas exalam
este olor de ontens repetidos,
este samba mudo, sem surdo, pífio.

Resta a tristeza, o desperdício:
não saber-te teu maior inimigo.

                 II

Foi-se o que havia na garrafa,
mas não me sinto anestesiado
pois este parto que é o poema
jorra sangue e dentro da placenta

nada há; é natimorto o feto
− desorganismo amorfo de versos –
que irrompe quando a alvorada
lança sobre o breu da madrugada

um feixe da fresta que é aberta
− aí é que se fode o poeta
que detesta luz em sua caverna –
e faz cinzas da inútil matéria...

É sobre fracassos o meu trabalho.
E o teu? Caçar o próprio rabo?


sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

INFINITOS


 O que o mar sim ensina ao canavial:
  o avançar em linha rasteira da onda;
  o espraiar-se minucioso, de líquido,
  alagando cova a cova onde se alonga.
  O que o canavial sim ensina ao mar:
  a elocução horizontal de seu verso;
  a geórgica de cordel, ininterrupta,
   narrada em voz e silêncio paralelos.

(João Cabral de Melo Neto em “O mar e o canavial”)

  
Agora o meu verso sabe
de que os fins não são estáticos
e o poema e a vida
acabam, mas nunca terminam.

Da vida o poema tira
a teimosia das auroras
que vão feito marés; e voltam
e permitem o novo dia.

Do poema a vida tira
a teimosia dos rascunhos
que já rebentam moribundos
− escravos que são do futuro.

Da vida o poema nega
a sombra disforme do corpo
pois toda a sua matéria
não roça na pena do homem.

Do poema a vida nega
a solidão da madrugada     
de um papel que não revela
o xis de sua matemática.

O poema é uma vida
e a vida é um poema?
Se a vida for um poema...
O poema, vida, nem liga.

  

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

INCÊNDIO


 Teu, o amor que me inaugurou
 naquele olhar amplo, de mil línguas,
 mas, da palavra, ninguém precisou
 e, se precisasse, não haveria

 em qualquer gemido, nos dialetos,
 nos urros, grafias ou palimpsestos;
 qual é o nome? Quem batizaria
 uma paradoxal euforia

 que me faz crer e ser somente minha
 toda esta tua engenharia
 − teu pântano doce, almiscarado,
 teu Morro Dois Irmãos e o teu hálito?

 Teu amor: o raio que acendeu
 o sol da meia-noite do meu breu.


sábado, 22 de dezembro de 2012

POUCO A POUCO


As pálpebras da tarde
− em raro escarlate −
sucumbiram ao peso
e ao desassossego

febril do breu da noite
que veloz e audaz
apaga horizontes
e cega astrolábios.

O nanquim que tingiu
o céu não dividiu
a escuridão plena
da dor que representa

esta tua ausência,
esta sede sedenta,
esta cor modorrenta,
esta peste endêmica

e que sem dó desdenha
da minha morte. Lenta.

domingo, 2 de dezembro de 2012

ILÍCITA


 Teu corpo é uma nítida imagem
  teimosa ― bandidos flashes repentinos

  que espocam clandestinos nos meus sonhos
  recheados de sussurrantes desejos proibidos.

 
  Teu corpo estrelado se transformou
  numa implacável e falecida esperança

  já que nenhuma fé, oração ou artimanha
  é capaz de mover um palmo desta montanha.

 
  Teu corpo permanecerá de vez sonegado
  sem unguento para aliviar esta tortura

  a traduzir o teu límpido olhar que acusa:
  agridoce é o pavor de saber-te minha cura.                             


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

BASTA


Vou dar um basta,
contudo, há?
Lê e escreve?
Qual o remédio

que usa? Uca,
fumo, clausura,
ácido, grito,
bala ou tiro?

O tal de basta
(pura falácia)
traz muitos nomes
que se escondem

entre os eixos
da madrugada
de breu, de beco
(pura cilada).

A alvorada
reduzirá
em rudes cinzas
a ladainha

de um poema
− feito o basta –
que não se basta,
mas te enfrenta.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

TUDO


Mesmo que mil da Vincis se juntassem,
não seriam finalmente capazes
à tradução numa obra de arte,
dos bordos, das cores, da majestade

deste teu par – ímpar – mais que perfeito
(de seios, além de seios, de pêssegos)
que o meu olhar exige despido,
ainda que sob o linho dos linhos.

Assim, sonho com o teu calafrio
nas macias esquinas de mamilos
em riste, trêmulos, intumescidos
e orvalhados pelo infinito.

Meu verso, agora, é o teu súdito
e a minha guerra e o meu mundo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

SONETO PAPO RETO


Alguém mais pode, um tanto que fosse,
ser mais bonita, mais exuberante
(que reclassifica o horizonte
e atiça as chamas dos amantes)?

Dona dos cabelos esvoaçados,
da boca desenhada que carrega
o clamor para todos os pecados
da minha clava na tua caverna.
.
Há, porém, algo a ser reparado,
já que a beleza abre as portas,
mas cobra bem de quem não se comporta
e tem vertigens à beira do palco,

este, do qual necessita descer,
voltar ao chão: brotar e renascer.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

EPÍLOGOS


Sou um poço de vícios,
uma luz apagada,
um estranho no ninho
que a lucidez bate
com cinta de espinhos
até quando a tarde
reza pelo epílogo
do ocaso da carne.

Sou a sobra do dia,
o que, na madrugada,
se desenha sob trilhas,
esgotamento, fábulas
e inúteis bravatas
que, diante do crivo
do sol, viram fumaça...
Insistente destino.

Sou um rio sem leito,
esmo, sem correntezas,
sem quilhas, sem estrelas,
onde não há desejo,
senão o de dar fim
à vida que, em mim,

foi feito o poema:

só a dor os algema.

sábado, 20 de outubro de 2012

PALAVRA


Minha palavra não basta;
palavra: poeira rala,
palavra que fala
em mudez alta.

Quero a palavra
que liberte a calma
do corpo e da alma.
Qual a palavra?

Bolsa? Bússola? Navalha?
Qual será a palavra?

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

MERGULHO


Morrer é muito pouco
não mata esta sede,
não preenche os ocos
por dentro das paredes
duras e dum concreto
espesso, indelével
feito de pedra, trago,
seringa e tabaco.
Escrevo e não acho
o que tanto procuro
e sei que o fracasso
cobre o meu futuro
− dízima periódica
e todos os seus números
que geram novos códigos
deste mundo inútil.
Minha dor é vampira,
se morre, ressuscita,
se sangra, cicatriza,
se morde, contamina
as entranhas da vida
e treme o meu verso,
sua o meu caderno,
molha a minha trilha.
Tem cor o meu abismo:
o breu do infinito.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

AGORA


Rubra é a aposta que colore
meus pensamentos que, ultimamente,
exploram uma única hipótese:
amar-te já; imediatamente,

músculo a músculo, ai a ai,
colo a colo, sêmen à semente,
pois quando dois urgem o mesmo brado
algemam o tempo; só há presente.

É lívida a cor da minha face.
É metal este desejo que nasce.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

ALVA − Alvo −


O teu sorriso é feito um guia,
um farol, um imã para a minha
quilha, um delicado astrolábio,
uma estrela sedenta, um arco

de carnes trêmulas, portão da língua
que quero mais do que a cocaína,
mais do que o fumo do meu cigarro,
mais do que o alto grau do meu trago.

O teu sorriso é o passaporte
para a terra dos gemidos fortes,
onde o tempo não passa dum tempo
e a morte, dum orgasmo intenso.

O teu sorriso agridoce brilha,
vela no breu: o sol do meio-dia.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

SOMENTE


Quando te amo
− carnes em carnes,
prantos em prantos,
partes em tardes –

assim, de tanto
modo sem modos,
assim: sem norte
e sul e santo,

solto o tempo
das minhas garras
e redesenho
as alvoradas.

Quando te amo
somente amo.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

LEVE


    
Nada: nem erva,
nem pó, nem lapada,
nem pico, nem bala,
nem ácido, nem pedra.

Nada é mais caro,
nada se compara
à onda que me espalha
no levitar do teu barato.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

AINDA É CEDO


Sim, sei que sabes muito bem
de que não somos permitidos
pois nem sequer me deu ouvidos
a este tanto que ninguém

além de ti provocaria.
Imagino: que bom seria
guiar-te pelas tuas curvas
que ainda estão ocultas.

Mas que dó! Por que dispensar
o que com outro não terás?

segunda-feira, 12 de março de 2012

SINAL DE PAZ

Não perca tempo!
O teu discurso
contém o tudo
que eu dispenso

(o alto peso
das tuas cercas
de nós, de medo
e de certezas).

Não adianta!
Vivo a vida
atrás do samba
de cada dia.

EM CHAMAS

Teu corpo é a majestade
do nosso reino ofegante,
das onomatopéias fartas
no dialeto dos amantes.

Que tipo de poder emanas?
Um que traz esta paz em chamas?

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

VIDA

A vida é uma encarnação
liberta e além dos preconceitos,
esta quase perfeita criação,
a dramaturga que tem o poder

de mostrar o muito que há no pouco
e o pouco que há no boquirroto;
nota que o silêncio é ouro
e a língua o bodoque do corpo.

Quando ressurge ainda ecoam
ais saídos ninguém sabe de onde.
Somente este seu estratagema
move ao infinito o poema,

esta incompreendida anarquia:
gozar os agoras todos os dias.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

ARAPUCA

Tua beleza vem de que lugar
(não do Olimpo, já que Afrodite
te jubilou dos céus, inconformada
com o alvoroço do teu desfile)?

Que lavanda perfuma a tua alma
(quem sabe aquela almiscarada
que borrifaste por todo o corpo
fios a pavio, dorso a dorso)?

Qual a estrela que te ilumina
(esta que te foca e me fascina
desde o instante arrebatado
quando ao longe te miro e te caço)?

Como escapo deste teu feitiço?
O que me prende ao mel do teu visgo?

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

INVERTEBRADO

O verso nunca diz tudo que sabe
(pois haverá de se ter no futuro
− que rapidamente será passado −
um que o tempo salvou do escuro);

não diz porque quer, mas porque não pode
adestrar o fluxo das ampulhetas
que persegue o presente e deita
o peso de seu ligeiro galope.

E mesmo que seja para o nada
é por meio desta arquitetura,
desta cal, que toda a estrutura
do poema − pura fé − se espalha

nos desertos, na areia do verso
que o vento espana por completo.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

CARMA

Não! Por favor, não venhas me dizer
− numa pose do alto do teu salto –
que dentro dos meus olhos nunca leste
o tenso desejo amordaçado

entre as chamas de mil labaredas
e o asfixiante soluço
intermitente desta febre tesa
que te convoca num gemido mudo.

Será que estou mesmo condenado
à sina que transforma em fracasso
tudo o que almejo, o que caço
breu a breu, de ocaso a ocaso?

Teu corpo é feito o tal poema:
quanto mais distante, mais me algema.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

DELÍRIOS

Seria assim feito
um crime perfeito:
minha mão no teu seio,
meu ar quente e bandido
nas costas do teu infinito,

num silêncio arfado,
cristalina nudez conivente
que afastaria os pecados
e se encerraria feito um amém
quando eu te cravasse os dentes;

sorveria as ondas do teu pescoço,
lado esquerdo, lado direito, lados unidos
por uma só barulhenta lambida
que desceria agora pelas vértebras,
uma a uma, nervo a nervo, osso a osso,

curva a curva, medula a medula, dorso a dorso
e se estenderia até ao cóxix pontiagudo
quando deitaria-te dez dedos nesse mar macio
e curvaria-te submissa à beirada da cama:
poria-te loba, toda, toda cachorra.

Abriria incisivo tuas bundas rarefeitas
e avistaria paraísos intumescidos;
largaria-te a mão, esfregaria teus buracos
molhados: ouviria teus solos desafinados,
tuas onomatopéias incompreensíveis,

tuas palavras dispersas, sussurrantes,
tua língua de fora e passeadeira pelo buço.
Veria tuas mãos amassando os lençóis,
teus cabelos em plena revolução fremente
e o mundo todo pintado da tua cor de perfeição.

Acordei de supetão.

GUARDIÃO

Clamo ao fantasma que me habita

um só momento solto destas algemas

que enclausuram de forma definitiva

a vontade passageira de admitir o poema,


de passear serelepe na orla de um mar

qual fosse a exatidão perene das baías,

de poder chamar o pôr-do-sol de poesia,

livre dele e da censura do seu crivo tutelar,


vigilante e atento, que, até durante o meu sono,

crava nos íntimos sonhos a sua pena de ferro

a borrar qualquer tentativa do poema aberto,

negando-lhe a matéria do alto do seu trono


silencioso que orbita por entre céus efêmeros,

pois o horizonte que busco é utópico e inexistente;

ouço apenas um recado deste obsessor que me atormenta:

― O poeta não tem saída: só lhe resta a derrota do poema.


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

SOBRE A SAUDADE


Sábia e econômica, a saudade
habita a estrada da verdade,
daquilo que é verdade, que arde,
explícito algo sem rédeas, ondas em disparate;

vem como visita sem convite, sem alarde,
passageira de uma insólita viagem
mesclada entre o receio e a necessidade
de amor, de sexo, de tato ou de amizade.

Ninguém a observa quando verseja,
nem vulto, nem estampido, nem estandarte:
ocorre na trêmula margem da maré cheia
num hiato permissivo da vida e o do que fora arte

— quadro daquele instante,
poema do envelhecido guardanapo,
escultura do inesquecível,
sinfonia da tranqüilidade,
gravura do simultâneo,

clique da claridade,
dança do gozo,
ato da sintonia,
cenário da harmonia,
instalação do prazer,
ópera da amplidão
num roteiro das rosáceas.

Pode ser Buda, pode ser Oxalá
ou um pêndulo dúbio da alegria
e também o do lado da agonia,
das chamas do inferno,
do anticristo na sacristia.

Conforta o hoje,
mas no agora
é a que desespera
— rainha dos escombros —
é do caminho, a camuflada pedra;

é a dois-em-um,
a dicotomia,
o passo em falso,
a surpresa que ressuscita
e o zumbi que medra.

É a fada, a bruxa dos feitiços,
a quintessência dos extremos:
abraça e nocauteia,
ferve e congela,
paralisa e samba;

faz e não acontece,
purifica e envenena,
anula e impulsiona
deixa e apreende,
muda mas estaciona;

Lê e não decifra,
recomeça e termina,
beija mas não emana,
decide mas não vota,
enfurece mas não espanta;

morde e amortiza,
condensa e sublima,
cresce mas não levanta.
Eterniza mas sacrifica,
ama mas não encanta.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

VAZIOS

Não há dores, enfim, e nenhuma,
que caibam no disforme poema,
pois delas, e somente, ele se alimenta,
e, também, são as origens da sua fortuna

que ilude e seduz numa clássica cilada
― o falso poder da euforia do guardanapo ―
a alma ingênua do poeta que acreditava
na força frugal da sua improvável palavra.

Para os que rejeitam a lição desta única aula,
o poema alça o seu vôo veloz e vai-se embora:
condena, implacável, os mancebos às fábulas
dos mil versos vazios em seus livros sem páginas.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

SOBRE A NOITE

Cerco a noite
e farejo suas sombras
ausentes, camufladas.

Cerco a noite
e assim, no breu, dissipo e abafo
o estrilar silencioso do meu brado.

Cerco a noite
e desconheço o que me aguarda:
se pistas do poema ou ciladas.

Então ― cerco a noite ― e insisto
em naus a pique, imerso no desabrigo
feito se fosse um náufrago distraído.


(Cézar Ray e Marlos Degani, in NI, manhã de sol, brejas e papel de mesa, 2006)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

ENSAIOS

Será que sabes desta agonia
que, ligeira, transmuta o meu sangue
(numa intumescida alquimia)
a partir do efusivo instante

em que surges, ampla e cintilante,
por entre os vazios do meu dia,
entorpecendo-os − à revelia −
com o teu elixir paralisante.

Lateja nos ramais das minhas veias
um rio − de tirana correnteza −
tenso − de lava e de labareda −
que atiça a febre dos gametas.

Quero o teu tudo − todo − imerso
no mar do meu gozo e do meu verso.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

SOBRE A DÚVIDA

Será que estamos aqui postos neste chão
para acrescentar variadas experiências
e sofrer com a dor profunda das penitências
impostas por tudo em que não há definição?

O que é o amor? A arte? O que é evolução?
Por que insistimos em caçar algumas raízes
e de tentar transformar em teoremas exeqüíveis
as lacunas cujas hachuras residem na inexatidão?

Por que somos viciados nos lastros do passado
que não admitem nem o alho e nem o bugalho
mas apenas as normas e clausuras desenhadas nos rastros
que apontam somente um caminho e sonegam os atalhos?

Há coisas que prefiro manter sempre frementes:
feito o poema; e assim poder buscá-lo eternamente.

sábado, 10 de dezembro de 2011

CONVICÇÃO

Ai de mim se não fosse poeta,
alcunha um dia rejeitada veemente
e que até hoje insiste estridente
no pavor de não honrar a tarefa,

pois não há êxito nesta busca que é aberta
e sem ponto conclusivo, missão que não oferta
epílogos, já que sempre estará incompleta,
cheia das lacunas que nem Deus as encerram.

Ai de mim se não fosse poeta,
este escriba sócio do infinito,
sabedor da carcoma que o injeta
na penumbra do verso aflito,

que ao mesmo tempo em que o tortura
nesta sua derrota que é pré-determinada
― a dimensão úmida do breu da clausura ―
o salva da falácia do fim e do fedor da sua vala.

Ai de mim se não fosse poeta,
este escravo que detém o alerta
que arde agudíssimo e decreta:
― Alforria as rodinhas da sua bicicleta.

CHAMAS


Mesmo que a misteriosa ponte
ainda não tenha sido erguida,
algo rabiscou o nosso horizonte
e decretou ao coração outra batida,

outro compasso de vez acelerado
que destoa da calma serena e da paz
que provoca o medo de não poder mais
camuflar este incêndio vil e ampliado

de querer-te além dum poema permitido
(e de avançar louco no teu corpo proibido).

CINZAS

O meu mundo sem você é o circo
onde o insone palhaço pediu licença,
pois desde a sua partida
fria e intensa,
ele
procura e não acha nenhum sorriso,

feito navegar num rio que perdeu seu leito,
feito o sol que cabulou o dia e não nasceu
e fez perdurar a noite nos breus dos becos
para velar a minha vida que sem você morreu.

MILAGRE

Queria poder tomar emprestado o teu olhar,
este teu sentido amplo que consegue enxergar
as minhas sombras escondidas, os mil becos
senhorios dos meus medos, os frágeis enredos

de uma mesma história contada ― e fracassada
no lastro de arquiteturas em margens de praia,
do castelo ali construído que somente se depara
frente à rápida espuma da próxima ressaca.

Queria poder tomar emprestado o teu olhar,
este do modo seletivo, um filtro que decanta
vagarosa e sabiamente meu lago, meu mar
e o vento que sopra na minha vela que se levanta

qual fosse uma bandeira esculpida em puro titânio,
forte, rígida, indelével, um imponente manto:
o motor da minha nau e o colo do meu pranto
que perambulam perdidos no breu dos oceanos.

O poeta teimoso insiste na trama e sempre sonha
o sonho de mil quilates, de mil potes que nunca se realiza:
mas é do soluço molhado e sussurrado na minha fronha
que o teu olhar se traduz neste milagre que me ressuscita.

30 CONCRETOS

As horas velozes
daquelas madrugadas
(secretas e bandidas,

recheadamplas dos tremores
de mãos completamente asas
e dos desejos sem palavras),

não acenderam a necessária dinamite
que implodiria este espessíssimo muro:
vil masmorra do nosso amordaçado urro.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

HORIZONTE

A distância é a arma
que disparo em pranto
nos alvos da minha alma
coberta pelo teu manto

que me entorpece quente
que me encharca as ilhargas
onde o teu corpo ausente
é uma imagem que se espalha

nos flancos deste quarto
escuro, no vazio da cama
que te desenha em chamas
que te grita pelos espaços.

Teu beijo é toda a quimera
da minha boca que te espera.

CLANDESTINOS

Notei sem querer um longo fio do seu cabelo
camuflado numa dessas selvas do meu peito;
trêmulo, o alojei entre os bordos dos meus dedos
e enquanto, feito um enredo, se desfazia o novelo,

seus nós se prenderam em mim como se meus pelos
fossem o antídoto que curasse todos os seus medos,
que guardassem em extrema segurança os segredos
que choramos e cheiramos juntos no seu travesseiro.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

SEDE

Não há mais nada em mim
além deste corpo grande
que se perdeu dos seus sins
e do próximo instante.

Sou aquele condenado
mais outro que foi julgado
no tribunal da saudade
que, sem você, me invade.

Só você me ressuscita:
me dê um gole de vida.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

RECIFE

Ventos e sorrisos
ventos e ventos
na lapada do dia
esquinas de sal
de mar infinito
Recife um dia volto
me agarre, não me solto
do teu agridoce cheiro
de coisa boa, de tempero
do sertão e da cidade
ah, Recife me mate
ou me livre desta saudade...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

MAIS ALÉM

Quando se ama mais do que se pode,
quando as palavras se esfacelam
do alto de um arrepio forte,
a dor, com outras dores, se reveza

nesta rara junção de calafrios
que trava o corpo e o espírito
imersos na neblina dum abismo
sem nem mesmo saber: morto ou vivo?

Assim, quando o amor vira chaga,
somente o tempo é que apaga
as marcas do ruidoso chicote
e liberta a carne de seus cortes.

Por que é mais, é chaga, é doído?
Porque ultrapassa o infinito.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

PARALELAS


Amo as paralelas
mas como serão elas?
Ali há um amor
que dispensa a dor

das carnes que se acham
nas redes, nas jangadas
da vida que balança
e singra esperanças.

Ali há um amor
que singelo trocou
a futura saudade
pela eternidade.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

SEGREDO


Houve entre nós um nó bem atado
quando o universo se vestia
nu e todo o seu tudo cabia
no solo do nosso leito molhado

na sudorese de corpos soldados,
ferro e fogo, beijos e mordidas,
mil onomatopéias e sopapos
─ duas rubras carnes intumescidas.

Houve entre nós um veloz estado
de entrega, tenso, descontrolado,
que no futuro ultrapassaria
os limites, as almas, as medidas...

Houve entre nós um tempero novo:
o ar de um era o ar do outro.

sábado, 20 de agosto de 2011

GORJEIOS XV


Tente emergir das profundezas do umbigo: desconecte-se do cordão que o une a si mesmo; livre-se de você; expulse-se; jubile-se; reinicie-se.


* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS XIV


Quando os dias não têm mais nenhum repertório e as horas são sempre as mesmas horas monocórdicas que só tocam uma canção: saudade, saudade..


* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS XIII


O sofrimento é diretamente proporcional à falta de ponderação de cada um. E vice-versa. Harmonizar é sempre a melhor opção: livrar-se do eu.


* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS XII

Resista às sombras dos egoísmos alheios que tentam contê-lo no beco. Tenha o amor sempre por perto. Ele venta a alfaia e deixa o sol entrar.


* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

GORJEIOS XI


A madrugada foi de frio e saudades. De choros e travesseiros ao alto. De medos e sussurros. De cães ladrando ao longe. De insônia de você...

* Nota do Autor: GORJEIOS é uma série inspirada no modo de publicação que existe no sítio do TWITTER, cujos TWEETS (mensagens de até no máximo 140 caracteres) são sinônimos, em Língua Portuguesa, de gorjeio, chilrear, pipilar, entre outros sons de pássaros. O poeta posta reflexões soltas, passarinheiras, sem maiores pretensões e que possuem, irrevogavelmente, exatos 140 caracteres. Siga o poeta no TWITTER: @MarlosDegani

terça-feira, 7 de junho de 2011

NUVENS



Há aqui dentro, solto na prisão
do corpo, um verso poderoso
que roça o nanquim puro, viscoso
e o suor – mar que mina da mão −

encharca o papel e a palavra,
esta arquitetura do nada,
este labirinto de esqueletos,
este breu, este vulto dos becos.

Enfim, o que será que nos reserva
todo o mistério do poeta?
Seria o de Deus e o poema
e suas mesmas origens supremas?

Ou será que apenas seria
seus hábeis truques de ventriloquia?

sexta-feira, 6 de maio de 2011

CICLOS

Não é saudade e sim comoção,
não é febre e sim sudorese,
não é vontade e sim convulsão,
não é reza e sim catequese,

não é brecha e sim imensidão,
não é inverno e sim iceberg,
não é eco e sim repetição,
não é berro e sim exegese.

A tua ausência é uma morte
viva, espalhada nos cemitérios
do meu corpo, em infinitas covas
onde me afundo e me enterro.

Recebo a penitência mais alta:
renascer e sentir a tua falta.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

NADA

Sou feito da inexata hora
em que o dia, prenhe de aurora,
destranca as portas do horizonte
e livra de vez o hoje do ontem

que parte, mas deixa o seu espólio
rico de esqueletos vaidosos,
nesta arquitetura diabólica
que te prende ao fingir que te solta

nos campos (de areia movediça)
da miragem colorida do verso,
do cheque sem fundos da poesia
e do poema no meio do brejo.

Sou feito do inexato nada
que o dia pinta de alvorada.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

AMPLO

O poema não abriga o verso
nem nada; somente uma tarefa:
inexistir na boca do poeta
que o pretende com cela e rédea,

sem saber do mundo que trafega
sobre o desfiladeiro finito
do abismo frio do seu umbigo
onde o grito não reverbera.

Cru e simplesmente inexeqüível
o poema despe-se impossível
àqueles que não o entendem livre
— antítese cabal dos limites.

Não precisa haver luz na caverna:
o que não se vê, não se encarcera.

sábado, 22 de janeiro de 2011

CILADAS

    I                 I

A ingratidão é carta
na manga, fora do baralho,
da qual lança mão o covarde
que fere porque não sabe

da solidariedade
e não pode crer na bondade:
ainda não foi liberado
do leito do próprio parto.

A dor aguarda o ingrato:
pé a pé, calo a calo.

         II

A avareza trafega
nas paredes do abismo
escuro do egoísmo
e, amarga, reverbera

o tilintar das moedas
conjuradas feito rezas:
mãos fechadas que significam
os nãos rotundos à vida.

O avaro e seus cobres
morrem no frio de seus cofres.

        III

A ignorância é cega
e (surda e muda) acéfala
e não sabe nunca de nada,
se ocaso ou alvorada,

se início ou chegada;
vive no breu sem bengala,
sem tato e não discerne
o delírio da febre.

É a tirana das chagas
e dela poucos escapam.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

EXÍLIO


As algazarras da vida
(de fartas algaravias)
semearam três armadilhas
nos miolos ocos das vísceras:


ingratidão, avareza
e as pálpebras cirzidas
da ignorância - bandida -
algoz da luz e da beleza.


Resta então ao poema
o éter da inexistência.

Marlos Degani

Minha foto
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
Marlos Degani, Nova Iguaçu/RJ, é jornalista. Lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2006 e que conta com a apresentação do poeta Ivan Junqueira, imortal da Academia Brasileira de Letras, falecido em 2014. Em setembro/14 lançou o segundo volume de poemas chamado INTERNADO, também pelo formato e-book, disponível nas melhores livrarias virtuais do planeta. Em 2021, pela Editora Patuá, lançou o seu terceiro volume, chamado UNIPLURAL. Participa como poeta convidado da edição número 104 da Revista Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras, lançada em janeiro/21, ao lado de grandes nomes da literatura brasileira.