segunda-feira, 13 de julho de 2015
AS HORAS
Teve hora em que me pus cachorro
louco, roçado, tudo em você,
embrenhado dentro dos seus contornos;
e entre as suas beiradas, sede,
ofegâncias e onomatopeias
incompreensíveis: uis, ais, ois, eis
que o mundo é todo meu e seu,
um de uma musa e um poeta.
Tem hora em que ainda pretendo
acreditar na possibilidade
de correr desta imensa saudade
do seu beijo: meu único unguento.
As horas eram melhores, mais lívidas
da poesia sob as nossas línguas.
domingo, 12 de julho de 2015
FRETE
Eu tive de trazer você
comigo,
seus cheiros muitos que
vêm por detrás
do meu cangote e que se
espalham
pelos pelos do rosto
contorcido;
e descem ferozes aos
meus mamilos,
vão e voltam. Entram e
saem rápidos
nos dois buracos das
minhas narinas,
entre mil calafrios de
saudades.
Eu tive de trazer você em
partes
e em várias das partes
do meu corpo,
feito se eu carregasse
um sonho
que recusa ter linha de
chegada.
Eu trouxe seu hálito, seu
jardim
e sua neve quente. Só.
Em mim.
quinta-feira, 18 de junho de 2015
NOTAS DE TRÊS
Queria poder espalhar por aí
que o poeta e a poesia
são afins, mas são notas de três contos
e sós na engenharia dos sonhos,
no vão aleatório do verbo,
no feitiço semântico do signo
e na mandinga léxica do verso
no despacho casual do arbítrio.
Quem ousaria ser o adivinho
desta peleja entre o poeta
e a metáfora que reverbera
dentro dos confins dos seus infinitos?
O poeta não é herói de nada:
nem do poema e nem da palavra.
quinta-feira, 28 de maio de 2015
SOLILÓQUIOS
Sou o que quis ser, mas
sem poder ser,
pois a realidade do
poeta
não é diferente da do
profeta
em solilóquio no meio
da feira:
ambos fabricam peças de
encaixe
− um das suas fés,
outro das palavras –
e ambos conectam o que
é sonho
− antes um improvável
horizonte –
ao que é possível para
o homem.
Sou o que quis ser, mas
sem bem saber,
de prima, que o poema
rebenta
natimorto, vão, aquém e
absorto.
E ninguém acredita no
poeta,
tampouco no verso que
ele versa.
sexta-feira, 15 de maio de 2015
QUINTAIS
Inspirado em Filhos de Gandhi,
canção de Gilberto Gil.
Omolu, Ogum, Oxum,
Oxumaré
todo o Pessoal
só para dizer
por meio desse esquema
que amo a selva de
cores
na floresta precipitada
do Reino onde reinam
os Orixás do poema.
Iansã, Iemanjá, chama
Xangô
Oxossi também
só para dizer
que sei que não sei
e ninguém sabe
nem da metade da paleta
escondida por detrás
dos Seus céus
escarlates.
Mercador, Cavalheiro de
Bagdá
oh, Filhos de Obá
só para dizer
que no alto das
estrelas
vejo um espaço
dissidente
onde a poesia reverbera
no sem fim do infinito
da engenharia do poeta.
Senhor do Bonfim, faz
um favor pra mim
diz para o Pessoal
só para dizer
que sei da velocidade
venérea
da luz contra o
calcário gasoso
e do vento que dinamita
em câmera lenta
nuvem em nuvenzinha.
Oh, meu Deus do céu, na
terra é carnaval
chama o Pessoal
só para dizer
que Seus céus
são uma estação eterna
onde planto o meu
jardim
e colho o furta-cor
de todas as
primaveras.
segunda-feira, 2 de março de 2015
CURTIDO
O forno do meu verso
quer assar
o trigo podre das
mesmas palavras
sempre quase poucas –
são desse mundo
onde muitos temem o
absoluto
dos tudos que se
resolvem à fórceps,
por meio de uma brutal
cesárea
que faz natimorto o
outro lado
do verbo, um infinitivo só.
Dentro da minha quase
poesia,
o silêncio pode ser
soberano,
pois mesmo mudo, o
timbre do signo
pulsa na engenharia do
pranto.
Esfrio o meu forno com
um trago...
Aprendi: bebo fel e não
engasgo.
SIDERALIDADES V
(Ocaso com Aldir)
Quando a tarde baixa, e
em frestas
cansa de ser tarde, numa
luz tênue
mais pouco clara que
possa haver,
fecha a última frincha
que resta
e, feito tal do jeito
de aurora,
vai de marrons
sôfregos, quase ocres,
de rosas açafrão,
rútilo, sépia,
de terracota e púrpura
média.
Gosto de tudo quando
amanhece,
pois tudo parece que
anoitece.
Gosto de tudo quando
anoitece,
pois tudo parece que
amanhece,
já disse o poeta que
encerra
seu canto. E abre a
aquarela.
SIDERALIDADES IV
(Aurora)
Quando a noite
alta, no seu auge,
cansa de ser noite, no vasto breu
mais escuro de que possa haver,
uma frincha desabrocha suave
lá no recôndito do firmamento
e uma centelha do infinito
nasce, e de sete cores presentes,
firma a aurora e uma brisa
do próximo instante invadido
de pitadas de púrpuras tremidos,
bem mais junto de um branco navajo,
permeado de escarlate raro.
O sol abre a birosca do dia...
Há luz colorida de poesia.
cansa de ser noite, no vasto breu
mais escuro de que possa haver,
uma frincha desabrocha suave
lá no recôndito do firmamento
e uma centelha do infinito
nasce, e de sete cores presentes,
firma a aurora e uma brisa
do próximo instante invadido
de pitadas de púrpuras tremidos,
bem mais junto de um branco navajo,
permeado de escarlate raro.
O sol abre a birosca do dia...
Há luz colorida de poesia.
SIDERALIDADES III
(Na noite desaluada)
Quem pensa que a noite
é só preta,
entre todos os nanquins
espalhados,
norte, sul, neste
sertão estrelado
de azuis severos que se
estreitam
ao petróleo grave do
horizonte
sobre os cinzas ardósias
dos ontens
− os que ainda não
amanheceram
no agora que não é mais
rebento?
A noite – esta mais
alta – ecoa
uma luz que avoa às
avessas
na paleta oposta do
inferno:
breus claros, breus
médios e breus bordôs...
Minha noite tem carmim,
carmesim
e um poema em branco.
Sem fim.
SIDERALIDADES II
(Manhã sem o Poeta)
O poeta deixou uma neblina
de cerração chumbo e de
abismo
− um clarão bege claro
e vestido
de azul cobalto breve e
nimbos
que tecem seus bordos −
quase tecidos.
Este céu é um doce
pergaminho
onde o poeta, amarelinho,
tinge sua ode ao
infinito.
O sol atira na fronte
da nuvem...
Vem cinza, vem oliva e
vem lúmen
da crosta matutina que
começa
feito se fosse um mudo
alerta:
tudo passa um dia
passará.
E o poeta foi. Para
ficar.
SIDERALIDADES
(Matinê)
Vem do céu de novo o
meu espanto,
não somente pelo seu
furta-cor
desse sol contra as
nuvens em branco
− agora rochas de tons
de marrons
de toda a sorte, claros
ou âmbares,
ocres ou quase amarelos
fortes.
Tem nome tamanha
exuberância
desde o meu sul até o
meu norte?
Desce pela tarde um
raro cinza
suave que derrama seu
clamor
para que este amor,
quase morno,
vire verso. E mire
poesia.
E quantas cores sem
nome eu vejo
no céu do poema que eu
desejo.
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015
BREVE
O meu próximo poema não
mora
comigo. Não me habita
ainda.
Sei, tão só, que fiz
dele meu herói
e é bem-vindo quando
sua brisa
acosta o batente da
janela
que, por ele, sempre
está aberta.
E se vem é de um jeito
somente:
uma lufada breve, mas
fremente,
e treme e deixa bem
avisado
ao poeta de mil versos
versados
− Sou um pé de vento de
um poema
e não há quem tenha uma
algema
capaz. Como prender o
infinito?
Se ele disse assim,
está dito.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
BRISA BRUTA
“Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.”
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.”
CDA, em Canção Amiga.
Queria escrever uma canção,
uma letra que virasse canção,
mas nunca pude e não poderei.
Se sei o motivo desta barreira?
Desconfio: o verso que é lido
da mesma forma pode ser ouvido
da música oculta do poema,
uma que a alma todinha treme
no frescor de um silêncio urgente
e amplo, feito se todo o mundo
parasse com o mundo. E com tudo
que não fosse este tom dissidente.
Só posso buscar uma melodia
dentro do poema: a poesia.
terça-feira, 10 de fevereiro de 2015
CRISTALINA
Sempre te via em bissextas
noites
proibidas, sentada (e
divina)
naquela mesa posta na
cozinha
da casa lotada de gente
doida,
de madrugadas que amanheciam
movidas pelas garrafas
vazias
entre as poeiras da
agonia
e a densa nuvem de
nicotina.
Sempre te via muito
feminina,
e mais: feito uma rara
rainha
de gestos delicados que
enchiam
o meu caos, de completa
poesia.
Sempre te sentia em
alguns sonhos.
E o meu despertar era
risonho.
sábado, 7 de fevereiro de 2015
CONTRAMÃOS
Não vem desta tela em
branco
o enjoo que me sufoca,
mudo, de dentro para
fora,
qual uma represa de
pranto;
vem da lucidez do
instante
mareado em que notamos,
nos muitos fracassos do
homem,
a sua opção pelos
ontens
trancafiados no
depósito
silencioso e escuro
− o todo que virou
absurdo
nas nuvens do contraditório.
E quem se perde neste
mundo
vende seus nadas como
tudo.
sábado, 31 de janeiro de 2015
PARTO
Foi naquele instante
que você
pegou na minha mão sem
avisar
no beco do banco detrás
do carro,
foi ali que senti a mó
ardente
a triturar os miolos de
dentro
de um corpo que
sublimou a alma,
pois somente cabia um
desejo
cor da fresta prima da
madrugada.
Foi naquele instante
que vivi
o que mais me importa
nesta vida:
ter a sua mão fina sob
a minha
e dois corações na
mesma batida.
E imediatamente eu
soube
tudo o que o amor traz.
E trouxe.
quarta-feira, 14 de janeiro de 2015
DENTRO
Até noventa e dois
eu apenas ouvia
tudo o que faziam
aqueles caras todos
que giravam teimosos
nos ruídos dos meus ossos.
E então conheci outros
aqueles caras todos
e fui ler as mudas agonias
dos poetas e bissextas poesias.
Encontrei muito no pouco
e muito pouco no boquirroto.
Quero mesmo dizer o que sinto:
acho que sou um poeta de ouvido.
sábado, 6 de dezembro de 2014
MAIOR
Ninguém inventou ainda
uma palavra
capaz, sinônima ou que,
enfim, traduza
este amor maior do que
o amor puro
que nutro por ti, um de
corpo e de alma
além da carne e do
brilho das estrelas,
um amor que tem na
cabeça a coragem
de fugir do impossível
e dos esquemas
tão preconceituosos da
sociedade,
um amor que te pegaria
pelos braços
e que faria nascer, em
nós, duas asas,
quando a tela azul do
céu (e das nuvens)
desenharia o dossel do
nosso mundo.
Este amor me faz o
homem que seria
teu motor e tua eterna
gasolina.
sábado, 29 de novembro de 2014
13 DE DEZEMBRO
Se tu fosses minha só
por um dia,
entre mil beijos eu te
provaria:
não há nesta Terra um
arrepio
mais forte (misto de
quente e frio)
do que o sal da carne
dos meus lábios
sob os teus: o caos da
nossa libido.
Muito além do corpo, tua
alma
− quando eu for teu e
tu toda minha,
num velocíssimo passe
de mágica,
num ousado doping de
alegria −
veria a vida mais
colorida
no azul cobalto do
infinito.
E até a morte
aplaudiria:
eu, a batuta; tu, a sinfonia.
terça-feira, 21 de outubro de 2014
SÚPLICAS
Que meu pai não me sopre nenhum verso,
nunca soprou, só se não dei ouvidos,
nunca dei, mas só depois de ter ido,
foi preciso assim, sem decibel,
para que o meu tímpano estúpido
começasse, enfim, a decifrar
o dialeto que ele usava
− aquele estranho silêncio púrpuro.
Que meu pai não me veja deste jeito,
lacerado, todo, lado a lado,
por uma inapelável saudade
que desfaz o que já está desfeito.
E é a voz do meu pai que revela:
não sirvo para nada. Sou poeta.
quinta-feira, 2 de outubro de 2014
OFF
E nessas trilhas do poema
quando flutuo só, a esmo
(vou da carne ao esqueleto
e da denúncia à sentença),
imerso neste seu esquema
de não ter nem fim nem começo;
blefo a fé no tabuleiro
e engaveto a celeuma.
Não. Não há luz no cativeiro:
o poema não tem novelo.
quinta-feira, 25 de setembro de 2014
JANELA SIDERAL
Quando te vi sorrir no
plasma
desta imagem
cibernética
vi, outrossim, uma
janela
florida e almiscarada
muito mais que o
paraíso
mais doce que o
infinito
azul de todas as
palavras
que não me servem para
nada.
Quando vi esse teu
sorriso
foi como se a minha
alma
ganhasse um novo
arbítrio:
o teu beijo na minha
cara.
Quando vi todo teu
sorriso
fiz do meu verso,
proibido.
terça-feira, 26 de agosto de 2014
SAL
O amor que trago dentro
do peito,
vai apenas para um
endereço:
o espaço sideral dos
teus beijos,
alma e corpo; o cosmo
perfeito?
Há um amor maior que o
amor,
pronto para negar o nó
do verso
do qual se apropria o
poeta
com o seu varal farpado
de dor?
E tem nome isso que não
tem nome?
Isso que me estilhaça o
tempo
e o pulveriza entre a
noite
eterna dos confins do
firmamento?
O amor que trago dentro
do peito
só pode ser teu, senão,
nada feito.
RAJADA
É uma sina maldita
da vida, esta mania
rara de ver-te mais nítida
de fora da tua mira
neste terreno longínquo
sem metro para medi-lo
sem eco a ser ouvido
sem fim e sem infinito?
Teu portador, uma brisa
temperada e alquímica
que doma o ar, esquina
a esquina. E acima
e abaixo e crescida
espalha um alarido
motivado e movido
pelo teu perfume cítrico
mel ácido destemido
que meu corpo contorcido
inala feito um vício
poderoso e ubíquo
pelos sete orifícios
do rosto (um quase rio
quase cheio do vazio
afogado do meu cio)
que anseia a morfina
da tua paz tensa. Lívida.
segunda-feira, 18 de agosto de 2014
TRÊS COLÓQUIOS DO AINDA
AINDA
Canto I
E o tarde era noite
(cumprida na alta febre
deste lhe querer que ferve
nas vielas do meu corpo
e no lençol que aperto
molhado contra a cãibra
aguda entre as vértebras
que se contorcem em chamas),
agora tudo é cedo,
menos pro mel do seu beijo.
NÃO
Canto II
(nunca passará do não)
Tão frágil esta razão
concreta (concreto treme)
e o grafite vermelho
pichado como aviso
na portinhola da cerca
que cerca o seu alqueire
onde não me quer bem-vindo,
mas o meu sim não é duro
e blefo não pro seu mundo.
Inspirado em Eu Queria Ter Uma Bomba, canção
de Cazuza.
Canto III
Quando você sai de perto
eu penso em suicídio
(pois fiz das horas, ofício
on line do dialeto
sedutor da sua alma
quente, deslubrificada
que exibe resolvida
contra isso e aquilo),
eu penso em homicídio,
mas no fundo eu nem ligo.
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
RAREFEITO
A lâmina gelada do inverno
não corta o oco das minhas veias
endurecidas, vazias e velhas
sem o sangue – a saudade bebeu-o –
que lhes justifica a existência.
E me convenço a sós: nesta terra
não noto algo que seja mais rente
ou mais frio do que o fio trépido
e o tridente fino do silêncio
da agulha quando, juntos, operam
a sutura que a tua ausência
de adamantium tornou urgente.
O vento cisma, e em vendavais,
varre minhas nuvens do nunca mais.
quarta-feira, 6 de agosto de 2014
VEIO
Foi mesmo o tal teu jeito equestre
qual, por fim, ascendeu este Sinhô
eroscrata dentro de mim lá longe,
mas que, divina, trouxeste pra
perto
de um mero poeta, cuja flecha
fere a carne suja da palavra
a fim de farejar todas as brechas
e calar o ronco das tuas travas
ao murmúrio abafado das noites,
quando os contornos da maquiagem
espessa que usas atrás do rosto
escapam-te: é de vidro a máscara.
E sem que sequer pudesses notar,
navegaríamos. Nós. Num só mar.
FUNDO
Mais uma vez esta manhã
de inverno azul aberto
e deste vento frio, gélido
a percorrer minhas entranhas.
de inverno azul aberto
e deste vento frio, gélido
a percorrer minhas entranhas.
Mais uma vez a luz, o céu
pincelado leve de nuvens
a estender o seu perfume
‒ fragrância de aurora breve.
pincelado leve de nuvens
a estender o seu perfume
‒ fragrância de aurora breve.
E a preguiça animada
do frescor vão e esquisito:
querer te amar e amar
até fundir o infinito.
do frescor vão e esquisito:
querer te amar e amar
até fundir o infinito.
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Marlos Degani
- MARLOS DEGANI
- Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brazil
- Marlos Degani, Nova Iguaçu/RJ, é jornalista. Lançou o seu primeiro livro de poemas chamado Sangue da Palavra em 2006 e que conta com a apresentação do poeta Ivan Junqueira, imortal da Academia Brasileira de Letras, falecido em 2014. Em setembro/14 lançou o segundo volume de poemas chamado INTERNADO, também pelo formato e-book, disponível nas melhores livrarias virtuais do planeta. Em 2021, pela Editora Patuá, lançou o seu terceiro volume, chamado UNIPLURAL. Participa como poeta convidado da edição número 104 da Revista Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras, lançada em janeiro/21, ao lado de grandes nomes da literatura brasileira.